sexta-feira, julho 20, 2007

Também já tive catorze anos

"Prefácio
Podendo sugerir-se irónico assim dito, di-lo-ei na mesma: também já tive catorze anos; também já escrevi poemas. Se calhar, ocasionalmente, ainda os escrevo. Serão, todavia, mais amargos que os que escrevi então, cujo rasto perdi.
Sei de quem não os escreveu porque, simplesmente, nunca chegou aos catorze anos. A tristeza que me assiste hoje vai buscar muito do seu fundamento a essa história infeliz. Importa, entretanto, celebrar a vida. Essa oferece-se-me a forma mais nobre de honrar os nossos mortos, como suas memórias vivas que somos.
Como recusar então dar forma a um sonho? Como não me reconhecer no jovem que tem um projecto? O projecto de escrever poesia, de escrever um livro; muitos sonhos para o futuro (e, mesmo, já algumas desilusões - aos catorze anos).
Reflectindo sobre os termos da resposta a dar, buscando a ironia de que às vezes sou capaz, ocasionalmente ocorreu-me a trilogia popular do livro, da árvore e do filho. A permanecer próprio dos tempos que correm este conceito de realização pessoal, oferecia-se-me clara a precocidade do meu filho. Descansava-me, todavia, a pouca apetência que este vem revelando pelas práticas de jardinagem. Como dizer não a um projecto tão bonito na sua inocência, na manifestação de ousadia e de sentimento, de vida que transporta?
Não havia, de facto, forma de recusar a cumplicidade com este projecto. Isso mo disse, desde o primeiro momento, uma poetisa, de corpo inteiro, que por viver a poesia tão intensamente não é mais capaz de viver o quotidiano que a vida nos reserva, quase sempre tristonho e mesquinho; quer dizer, insensível à dor dos que sofrem em silêncio, dos que escolheram celebrar o amor em vez de tantas outras coisas que se celebram por aí nas curvas e esquinas da nossa sociedade, que não sei se classificar de pós-moderna ou “gótica”.
Sobre a obra, em concreto, direi que é um trabalho cuja leitura e revisão de textos ora se me sugeriram gratificantes ora me foram penosas. A penosidade não relevou do esforço, em si, mas dos conteúdos com que fui deparando, demasiado sofridos, denunciando uma violência de sentimentos que me surpreendeu. Sobretudo, na dimensão desesperança da mensagem. Reparem: são só catorze anos; catorze anos de uma vida a que eu fui sempre dando o amparo que fui capaz. Podia ter sido mais, consinto, mas eu, que o não tive maior, não me recordo de ter escrito mensagens de tamanha mágoa e desapontamento, nessa idade. Os tempos são outros, sem dúvida, e talvez daí venha a diferença entre duas personalidades íntimas que eu pressinto tão próximas. É bem certo que, nessa idade, eu não tinha ainda uma namorada, no sentido comum do termo, pese embora as Helenas que se foram cruzando na minha vida. Teria sido mais feliz se a tivesse, especulo eu agora. Mas as Helenas sempre me foram esquivas. E quanto eu as amei!
Também eu escrevi poemas, sabem!? Talvez ainda escreva, mas já não canto a vida como usava cantar. Exprimem a mesma carência de amor. Isso é certo!

Braga, 9 de Agosto de 2004"

José Cadima
(reprodução do Prefácio do livro "Poemas ou um grito de vida", de José Pedro Cadima; edição de autor, Braga, 2004)

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