sexta-feira, janeiro 31, 2025

Minha Querida Helena (53)

Minha Querida Helena,

Escrevo-te estas linhas acabado de chegar da rua, onde fui para te telefonar. Não foi uma experiência traumática como muitas vezes tem sido, se bem que não deixasses de me falar da coincidência dos teus sonhos com aquilo que tu leras em carta minha acabada de receber (com significativo atraso, convenhamos). A coincidência está na tua vontade de ver intuições nos sonhos que tens e em nada mais, digo-te.

Contrariando o que vem sendo comum neste enredo – sublinho – gostei de ouvir a tua voz, como já tinha gostado ontem. Num e noutro caso, julguei reconhecer a voz (e a expressão) da mulher com quem passei a tarde de 5ª feira pp. e, particularmente, pareceu-me vislumbrar a voz que associo à emoção de um abraço no meio do areal de uma praia que era só nossa. Foi um abraço que já não cria possível. Foi um abraço que não se esquece, pelo que diz.

Julgavas tu, admitia eu que a nossa relação se alimentava de encontros e desencontros; talvez mesmo de rotinas. Aquele abraço na praia veio dizer que a nossa afectividade se funda numa identidade subjectiva que as palavras e as rotinas só podem perturbar. Se assim não fosse, como poderia tamanha identificação exprimir-se do mesmo modo que a senti há tantos anos, pese embora todos os encontros e desencontros porque passámos desde então? Não há forma de fugirmos de nós mesmos! Também, porque o haveríamos de fazer?

Escrevo-te esta carta depois de uma tarde calma, passada entre o jornal e o texto cuja revisão da tradução estou a fazer. É uma tarefa morosa e desgastante que preciso intercalar com a leitura do jornal ou com uma simples deslocação à casa de banho. De facto, vezes há em que a ida à casa de banho se sugere em razão de uma necessidade psicológica mais que de necessidade fisiológica. Neste caso, a deslocação é curta. Noutros é mais longa, mas a casa de banho sugere-se-me um bom destino para uma deslocação breve, num caso e noutro. A ir à rua, correria o risco de experimentar frio e o incómodo de não saber que destino tomar. Sendo deste jeito, o destino é seguro e o desconforto oferece-se bastante limitado.

Daqui passarei directamente para a cama, onde também nem sempre fico confortável. Hoje, porém, fico na expectativa de sonhar contigo. Se isso vier a acontecer, sei que será um sonho agradável, bem diferente daquele a que te referiste na nossa breve comunicação telefónica.

Recebe um beijo grande e um chicoração deste que tanto te quer.

 

José Cadima

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