Minha Querida Helena,
Da minha janela, por entre uma fresta da cortina, espreito o horizonte. Lá fora, descortino o casario e o cinzento de chumbo do céu. A chuva regressou esta tarde, forte, convicta, embora nesta hora já tenha partido. Senti a sua chegada como sinal de viragem de estação, e com o seu chegar ficaram mais próximos o tom dos dias e o meu estado de alma. Foi como se tivesse ganho uma inesperada companhia.
Do rádio chega-me o relato floreado do jogo entre a Letónia e Portugal. O jornal já lá vai e espera-me uma noite presumivelmente longa, à semelhança de tantas outras, recentes.
Enquanto avançava no texto Portugal marcou por duas ocasiões, de supetão, uma a seguir à outra. Antes, alguns segundos antes, apenas, uma jovem tinha surgido no relvado de maminhas ao léu. Provavelmente, dizia o relator, os jogadores portugueses tinham ido retirar àquele “incidente” a inspiração para mudarem o ritmo e o rumo do jogo, até aí igualmente acizentado. Ainda bem – digo eu - que os nossos jovens permanecem sensíveis às coisas bonitas. Sobre a motivação subjacente à ousadia que levou a menina aos écrans da televisão não sei que dizer. Se se tratasse da minha Helena, preferia que ela preservasse exclusivamente para os meus olhos a sua graciosidade. Outros gostarão de forma diferente.
Mirando o horizonte, enquanto oiço o evoluir do jogo, vou-me questionando sobre o que estaria a fazer nesse mesmo instante a minha esquiva Helena. Acaso escutaria as mesmas palavras que me chegavam? Ocupar-se-ia, ao invés disso, de tarefas domésticas no seio de uma família reencontrada ou recuperada? E o seu estado de espírito revelar-se-ia tão sombrio quanto o meu?
Divagações de uma mente
carente; especulações de quem procura um caminho mas nem por isso lembra menos
amores tão sentidos, tão vividos; pensamentos de quem lembra a sua Helena inseguro de saber trilhar
caminho sem ela.
José Cadima
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