Minha Querida Helena,
A correria em que tenho andado
não me tem dado tempo para um momento de intimidade contigo, aqui ao
computador. Não se poderá dizer que tenha usado o meu tempo de forma muito
produtiva, de trabalho que se veja, mas o que é seguro é que o tempo me tem
escorrido por entre os dedos. Quando aqui chego, o dia vai já demasiado
adiantado ou eu estou saturado demais para que as palavras fluam e o raciocínio
se ofereça escorreito. Aliás, nalgumas das linhas que te dirigi em ocasiões
passadas isso é perceptível nas gralhas que restam ou nas palavras que se
perdem.
Lutando contra este andar dos
dias, estou agora à procura da serenidade que me falta, recordando as palavras
que esta tarde me dirigiste, pelo telefone, e o apelo que nelas se percebia.
Recordo isso e lembro a tarde absurda que passei em tua casa no domingo, depois
de quase teres recusado abrir-me a porta. O absurdo resulta do estado
psicológico em que fui encontrar-te, que só não me apanhou de todo desprevenido
porque me deparei antes com algo próximo. Entretanto, o inesperado do sucedido
deixou-me tão desamparado quanto outras situações que atravessei.
Dizes tu, minha querida, que
me adoras. Mas, pergunto eu: se me adoras, não tens aí uma razão forte para
lutares contra as tuas fraquezas físicas e psicológicas, ao invés de soçobrares
logo que a porta se fecha nas minhas costas? Se me adoras, porque te sinto eu
tão distante, conforte te tenho dito nas minhas cartas (não querendo sequer
invocar o que sucedeu em Agosto)?
Eu também te adoro e disso te
vou dando notícia em todas e em cada uma das cartas que te escrevo, e na
vontade de que te dou notícia de te ver assumir o teu dia-à-dia com vontade e
esperança. Preciso dessa tua garra e esperança para que eu possa, igualmente,
agarrar a vida com algum entusiasmo. Se me falhas, como me faltaste no domingo
pp., falha-me a alegria que me resta e sobra-me o sentido de não deixar que
mais ninguém (especialmente, os meus filhos) me acuse de não ter alcançado o
que podia alcançar porque eu lhe faltei. Não é justificação para uma vida, no
entanto. Assim o entendo!
Vêm até mim, meu amor.
Abraça-me, forte!
José Cadima
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