Minha Querida Helena,
Como tudo
parecia correr-me bem, desde o amor ao estado de saúde dos meus dentes,
recuperada plenamente a minha frescura ao ponto de me sentir com 15 anos outra
vez, parti à aventura, quer dizer, candidatei-me de novo à Presidência da EEG.
Entretanto,
dado que há uns meses, por ocasião do cessar de funções do meu terceiro
mandato, tinha apresentado publicamente a minha despedida daquele tipo de
funções aos meus colegas e amigos, senti-me agora na obrigação de lhes dar uma
justificação (e, convenhamos, tentar justificar perante mim mesmo, em voz alta,
porque cometi semelhante burrice). Ocupei ontem parte da noite a redigir a
mensagem electrónica que corporiza essa justificação. Também essa forma de
ocupar a noite se me ofereceu despropositada; mas já passou.
O que lhes
disse não foi retórica, se bem que descreia que alguns deles cheguem a
percebê-lo. Naturalmente, omiti os detalhes; nomeadamente, os que se prendem
com o asco que me provoca a incompetência e a incapacidade de alguns, o
desprezo que tenho pelos que se apresentam sempre em bicos dos pés, e a pena
que me suscita a falta de coragem de outros de darem a cara pelos projectos em
que acreditam.
Ficou uma
coisa comovente, como era adequado que ficasse. Fui todo coração e nada razão,
até porque os destinatários tinham todos,
ao longo de muitos anos – uns mais que outros, obviamente – dado sinal de
grande consideração por mim e feito prova de inquestionável amizade múltiplas
vezes. Chato foi estarmos em período de campanha eleitoral, mas disso não tenho
culpa alguma já que não fui eu que me demiti das funções assumidas (o que é uma forma de falar) vai para meia
dezena de meses, em nome de consensos em que nunca acreditei e prometendo
dedicação só própria de sacerdotes (estou a referir-me às intenções da
candidatura e não às razões da demissão, está bom de ver).
Como quer que
seja, certo, certo é que estou metido numa alhada, das grandes, e, nestas
circunstâncias, dava-me imenso jeito uma intervenção divina que me libertasse
dessas atribulações. Se a intervenção divina não se der entretanto, pelo menos
que me valha o velho princípio de vida que me acompanhou em muitas situações
passadas, que se exprime na ideia que o dia seguinte não pode ser pior que o
que o antecedeu ou, se se quiser dizer de forma alternativa, para pior já basta
assim.
Confessa lá,
minha querida: deixei-te comovida, não é verdade? Eu estou. E estou, também, na
expectativa dos passos seguintes que a inércia me forçará a dar.
Dava-me
jeito, nesta altura, poder abraçar-te forte, forte, até me confundir plenamente
contigo e, desse jeito, desaparecer.
Um beijo
grande!
José Cadima
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