domingo, janeiro 19, 2025

Minha Querida Helena (41)

Minha Querida Helena,

Como tudo parecia correr-me bem, desde o amor ao estado de saúde dos meus dentes, recuperada plenamente a minha frescura ao ponto de me sentir com 15 anos outra vez, parti à aventura, quer dizer, candidatei-me de novo à Presidência da EEG.

Entretanto, dado que há uns meses, por ocasião do cessar de funções do meu terceiro mandato, tinha apresentado publicamente a minha despedida daquele tipo de funções aos meus colegas e amigos, senti-me agora na obrigação de lhes dar uma justificação (e, convenhamos, tentar justificar perante mim mesmo, em voz alta, porque cometi semelhante burrice). Ocupei ontem parte da noite a redigir a mensagem electrónica que corporiza essa justificação. Também essa forma de ocupar a noite se me ofereceu despropositada; mas já passou.

O que lhes disse não foi retórica, se bem que descreia que alguns deles cheguem a percebê-lo. Naturalmente, omiti os detalhes; nomeadamente, os que se prendem com o asco que me provoca a incompetência e a incapacidade de alguns, o desprezo que tenho pelos que se apresentam sempre em bicos dos pés, e a pena que me suscita a falta de coragem de outros de darem a cara pelos projectos em que acreditam.

Ficou uma coisa comovente, como era adequado que ficasse. Fui todo coração e nada razão, até porque os destinatários tinham todos, ao longo de muitos anos – uns mais que outros, obviamente – dado sinal de grande consideração por mim e feito prova de inquestionável amizade múltiplas vezes. Chato foi estarmos em período de campanha eleitoral, mas disso não tenho culpa alguma já que não fui eu que me demiti das funções assumidas  (o que é uma forma de falar) vai para meia dezena de meses, em nome de consensos em que nunca acreditei e prometendo dedicação só própria de sacerdotes (estou a referir-me às intenções da candidatura e não às razões da demissão, está bom de ver).

Como quer que seja, certo, certo é que estou metido numa alhada, das grandes, e, nestas circunstâncias, dava-me imenso jeito uma intervenção divina que me libertasse dessas atribulações. Se a intervenção divina não se der entretanto, pelo menos que me valha o velho princípio de vida que me acompanhou em muitas situações passadas, que se exprime na ideia que o dia seguinte não pode ser pior que o que o antecedeu ou, se se quiser dizer de forma alternativa, para pior já basta assim.

Confessa lá, minha querida: deixei-te comovida, não é verdade? Eu estou. E estou, também, na expectativa dos passos seguintes que a inércia me forçará a dar.

Dava-me jeito, nesta altura, poder abraçar-te forte, forte, até me confundir plenamente contigo e, desse jeito, desaparecer.

Um beijo grande!


José Cadima

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