sábado, janeiro 18, 2025

Minha Querida Helena (40)

Minha Querida Helena,

A propósito da forma como se vai para a fonte, se se vai formosa, se se vai descalça, se se vai formosa mas não segura,  gostava de te dizer que poucas coisas há que me irritem mais que bater-te à porta e não vires abrir-ma, mesmo quando toco uma meia dúzia de vezes. Uma coisa que me irrita ainda um pouco mais é esperar meias horas, horas inteiras e ninguém me aparecer, mesmo nas ocasiões em que me recordo bem de ter acertado uma hora e um minuto para esse efeito (que não foi o caso de hoje).

Vê agora tu o estado em que fico quando toco à campainha, e toco e insisto de novo e nada, e espero, e espero e toco à campainha, e toco e é como se não tivesse feito muitos kms e gasto muito tempo para poder bater-te à porta e ver-te, e tenho como retribuição uma mão cheia de rigorosamente nada.

Ter-te-ei já dito tudo isto mas, depois de uma deslocação de mais de duas horas, com chegada e partida no local onde agora me encontro, e na hora imediata ao regresso, isto tem outro significado e outra força e, deste modo, talvez eu consiga descarregar parte da raiva que me assiste em razão dos tristes eventos de que te falo. Até porque sei que amanhã ou depois de amanhã, quando te lembrares de me fazer um telefonema, não vais deixar de me cobrar a promessa que te tinha feito de me encontrar contigo neste domingo de deus.

Não tenho dúvidas que terás as tuas razões, que serão muito válidas. Mas isso pouco adiante perante um desastre, acabado de dar-se, desta dimensão. Evidentemente, há aqui um problemazito que é o da reiterada repetição do incidente, o que, para quem detesta que o façam secar, acaba por constituir-se num verdadeiro problemazito. Não te deverá, assim, surpreender que numa próxima ocasião que me telefones (infelizmente, esqueceste-te de comprar no sábado o telefone que me anunciaste que ias comprar no sábado pp.) eu te dê notícia da minha irritação por não me ter sido possível cumprir o que te havia prometido cumprir hoje, neste domingo de deus. A não ser que tenha descarregado já, nesta carta, toda a raiva que o incidente me trouxe.

É pouco provável, no entanto. É irritação em demasia para uma carta tão singela como a presente. É pouco provável, digo-te, Helena do meu desespêro. Em tais circunstâncias, nem o ires descalça para a fonte é desculpa bastante.

 

José Cadima

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