quinta-feira, dezembro 12, 2024

Minha Querida Helena (9)

Minha Querida Helena,

“Olá menina ... Faz-me rir e eu prometo que não te farei chorar”, clamava eu há um par de dias, e zás: perdi, uma vez mais, o contacto contigo. E o pior é que, se eu não tenho forma de te contactar, contigo a situação é ainda mais extrema em razão da ausência de cabinas telefónicas nas tuas redondezas, próximas ou longínquas. Não fora essa realidade infeliz e, seguramente, teria tido o telefonema que prometeste fazer-me na 6ª feira p.p.

À mingua das tuas palavras – em hora em que já descreio que desejes presentear-me com o teu sorriso – vou sonhando que, numa das minhas deambulações sem destino certo, o acaso me atravesse no teu caminho, em ocasião não cruelmente distante. Terá, obviamente, que ser um acaso mais piedoso que aquele que provocou a recente avaria do teu telemóvel. Digo-o, pois sei que, nesta matéria de acasos, há-os de diferente índole.

Ensaiando um método razoavelmente seguro de olvidar este infortúnio que nos mantém incomunicáveis, refugio-me no trabalho: na tese cuja leitura já devia ter concluído; no artigo de homenagem ao orientador da minha tese de doutoramento e inspirador do académico que tento ser; na resenha de notícias de  fim-de-semana com que procuro manter-me a par do que vai no mundo; nos poemas de adolescência do meu filho cujo trabalho de editor ensaio, interrogando-me sobre quão longe devo levar o embelezamento formal em detrimento da inocência que esteve na sua génese.

Congratulo-me por me não falhar o trabalho, mesmo quando, em cedência embaraçosa ao sentimento, retorno a estas cartas que, sendo de amor, se sugerem igualmente um refúgio. Parco substituto do sorriso porque desespero; minguada compensação do beijo de que sinto falta.

Quererás tu constituir-te em  etérea musa inspiradora? Ou, recuperando o mote de um dos versos do meu filho, tomas essa distância apenas porque és má?


José  Cadima

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