Minha Querida Helena,
Hoje vi-te! Ou terei sonhado
que te vi. Se não estou seguro se te vi ou apenas terei sonhado que te vi,
estou seguro que deambulei pela tua cidade, se assim posso designá-la. A
segurança de que te falo vem-me da circunstância de me ter cruzado com um teu
antigo amor – não sei se também o mais recente. Se não era ele, era alguém que
tomei como sendo ele, socorrendo-me da imagem que dele retenho de fotografias
vistas em jornais e em painéis de rua.
A dita personagem também me
olhou mas, porque simplesmente não era quem eu pensei que fosse ou porque não
me reconheceu – o que é muito verosímil, já que não guardo memória de alguma
vez nos termos cruzado, em pessoa, digo – não me terá reconhecido. Se era quem
eu penso que fosse, como dizia, está efectivamente um pouco mais gasto e com
menos cabelo, como vai para algum tempo tu comentavas. Mas quem o não está? Com
menos cabelo, quero eu dizer.
No meio de tanto azar, fiquei
contente de não te ver com ele (ou atrás dele). Ser-me-ia muito penoso,
confesso. Mais penoso seria, claro está, ver-te no passeio público com ele de
mão dada ou com o braço pelo ombro, num assumir explícito de um amor
reencontrado. Nesta fase – a teres retornado a esse teu grande amor de
juventude – talvez seja aconselhável que reserves esses gestos de carinho para
o recato de espaços menos públicos. Não te parece também? Repara, não o digo só
por mim, pelo choque que isso me provocaria – de que provavelmente não mais
recuperaria -, mas também por ti, para não te tomarem por uma troca tintas,
quer dizer, uma troca amores; assim de um dia para o outro.
É bem verdade que o povo usa
dizer que amor há só um: o primeiro e mais nenhum. Não é, no entanto, válida
esta afirmação. E eu sei-o bem já que, não tendo sido tu o meu primeiro amor, a
verdade é que te amei e amo como se tivesses sido a primeira, embora sem a
esperança de ver o meu sentimento retribuído.
Não tendo sido tu a minha
primeira Helena, tenho porém seguro que serás a derradeira. Nisso, só me custa
mesmo a ausência de esperança de ver o meu amor correspondido; um pouco que
fosse.
José Cadima
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