Minha Querida Helena,
Passaram entretanto quatro dias desde que falámos ao telefone e me pediste para que não voltasse a ligar-te. Foram quatro longos dias, apenas suavizados pela evasão que o trabalho me proporcionou e pela escape que procurei em salas de cinema ou deambulando com o João Miguel, assumindo o papel de pai que tanto me custa vestir. Ainda para mais, nalguns filmes, reencontro o mesmo vazio que a tua ausência me inspira. Foi o que se passou ontem, na série filmes de culto, em que a personagem aparecia perdida de um amor que persistia em recusar que a vida lhe roubara.
De quando em quando sobressalta-me o telefone que
toca, na esperança secreta que sejas tu. Depois, volto aos meus pensamentos e
procuro arduamente uma nova rotina.
Deixa-me algo perplexo, minha querida, a forma como recebeste a minha
carta: ao invés de uma carta de amor, leste nela uma confissão de desistência e
tomaste-a como carta de despedida. Meu amor, a despedida que aí podias ver era
só até amanhã. Pergunto-me, por isso, se foi a minha carta que leste ou, tão
só, os teus próprios pensamentos.
Sei bem as
mágoas que carregas. Sei bem quanto a insegurança com que lido com as coisas do
amor e da vida te desgosta e te gasta. Entendo bem a necessidade de descansares
a cabeça e a alma que sentes. O teu ombro, o teu regaço não me é menos necessário
que porventura te sejam os meus. O caminho é, todavia, bem mais curto se formos
os dois a fazê-lo, caminhando um ao encontro do outro. Importaria, nesse
sentido, que eu sentisse que as palavras que te dirijo respeitantes aos
cuidados que devias tomar com a tua saúde, aos cuidados a que te devias dar com
a forma como te apresentas, ao empenho
que devias colocar no reganhar de um projecto de realização intelectual eram
escutadas. Esgotar-te em mim é algo que recuso, e recusaria mesmo que o nosso
encontro não se sugerisse mais um mar de desencontros.
Minha amada Helena, se tu descreste, eu quero continuar a acreditar. A minha entrega a ti força-me a sonhar. É a energia que me permite continuar.
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