quarta-feira, dezembro 04, 2024

Minha Querida Helena (2)

 Minha Querida Helena,

Passaram entretanto quatro dias desde que falámos ao telefone e me pediste para que não voltasse a ligar-te. Foram quatro longos dias, apenas suavizados pela evasão que o trabalho me proporcionou e pela escape que procurei em salas de cinema ou deambulando com o João Miguel, assumindo o papel de pai que tanto me custa vestir. Ainda para mais, nalguns filmes, reencontro o mesmo vazio que a tua ausência me inspira. Foi o que se passou ontem, na série filmes de culto, em que a personagem aparecia perdida de um amor que persistia em recusar que a vida lhe roubara.

De quando em quando sobressalta-me o telefone que toca, na esperança secreta que sejas tu. Depois, volto aos meus pensamentos e procuro arduamente uma nova rotina.

Deixa-me algo perplexo,  minha querida, a forma como recebeste a minha carta: ao invés de uma carta de amor, leste nela uma confissão de desistência e tomaste-a como carta de despedida. Meu amor, a despedida que aí podias ver era só até amanhã. Pergunto-me, por isso, se foi a minha carta que leste ou, tão só, os teus próprios pensamentos.

Sei bem  as mágoas que carregas. Sei bem quanto a insegurança com que lido com as coisas do amor e da vida te desgosta e te gasta. Entendo bem a necessidade de descansares a cabeça e a alma que sentes. O teu ombro, o teu regaço não me é menos necessário que porventura te sejam os meus. O caminho é, todavia, bem mais curto se formos os dois a fazê-lo, caminhando um ao encontro do outro. Importaria, nesse sentido, que eu sentisse que as palavras que te dirijo respeitantes aos cuidados que devias tomar com a tua saúde, aos cuidados a que te devias dar com a forma como te apresentas,  ao empenho que devias colocar no reganhar de um projecto de realização intelectual eram escutadas. Esgotar-te em mim é algo que recuso, e recusaria mesmo que o nosso encontro não se sugerisse mais um mar de desencontros.

Minha amada Helena, se tu descreste, eu quero continuar a acreditar. A minha entrega a ti força-me a sonhar. É a energia que me permite continuar.

José Cadima

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