quarta-feira, dezembro 18, 2024

Minha Querida Helena (15)

Minha Querida Helena,

Ignoro como encaras as minhas mudanças de humor, bem marcadas nalgumas passagens das mensagens que te vou fazendo chegar. Do que te conheço de tempos recentes, não me pareces uma pessoa com um sentido de humor muito apurado. Mas, quem sabe, o meu desaparecimento visível do teu contacto e a oportunidade de novos encontros de tenham trazido outro fulgor. Questiono-me, aliás, como vai a observação dos pássaros, actividade que tu tanto prezavas e de que eu, de alguma forma, te privei durante tanto tempo.

Espero que as entendas – as mudanças de humor, digo – como a expressão explícita dos altos e baixos que me atravessam a alma, por assim dizer. Forte de ânimo, ao contrário do que alguns pretendem crer (talvez mais, um lutador), sou um ser carente de afecto e só, como tu bem sabes. Daí que a força de que falo me falte, ocasionalmente, e pouco mais me reste que ironizar com a vida que tenho e com as peripécias do meu dia-à-dia. É um mecanismo de auto-defesa, tal qual tu és, ou foste – talvez, devesse dizer –, o meu refúgio; um refúgio que se apresenta já como o abraço de uma multidão onde nos perdemos.

Ser-me-ia mais fácil conviver com esta multidão anónima se o trabalho fosse uma actividade permanente, sem ocasião para pausas, sem tempos para dormir. Custam-me os espaços que antecedem e se sucedem ao sono e custam-me os sonhos. Felizmente que, destes, pouco recordo alguns instantes após o despertar. Pese isso embora, preferira não sonhar.

Como deixo dito, espero que entendas o meu refúgio na ironia, e espero que não me acompanhes neste discurso sem esperança. Tu mereces todas as coisas boas com que sonhaste. Precisas, porventura, ser mais positiva nessa procura esperançada e necessitas, creio eu, de fazer por adquirir um maior sentido de humor. Essa é, no meu entender, uma dimensão essencial da nossa relação com o mundo, que nos faz mais fortes ou, pelo menos, que podemos usar como escudo em momentos de maior fragilidade.

Falo-te a partir de uma experiência vivida, minha querida.

Já agora: haverá forma de eu ter notícias tuas sem que quebres o teu voto de silêncio? Gostaria de te saber bem. Só isso.


José Cadima

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