Minha Querida Helena,
Ter-te-ás dado conta que as
duas mais recentes cartas que te dirigi iam com as datas gralhadas: em vez do
que aparece, deveria estar 17 e 18 de Agosto, respectivamente. Vais ter que me
perdoar isso, que outra coisa não é que a expressão de uma mente cansada e
baralhada. A gravidade da falta deverá ser compatível com o nível de tolerância
que tu manténs em relação aos meus erros – assim o creio.
Na verdade, escrevi-te quase
só para te transmitir isso e deixar este apelo. Não fora este pretexto, não
querendo, por outro lado, repetir-me nos meus lamentos, não teria assunto para
esta mensagem. Como bem sabes, não é assunto com que se mace quem quer que seja,
muito menos alguém de que muito se gosta, dar notícia de um dia de trabalho
cinzento após outro de idêntico tom, de um arrastar de pés dia após dia sem
alegria nem esperança.
Assim sucedendo, dando corpo ao pensamento que me assiste, e também como forma de preencher esta página, ouso citar o meu filho num dos seus versos tão forte nos sentimentos que transmite quanto impressionante nos termos de que se socorre; a saber:
Demónio da minha paixão
Rio
de sangue,
que
transportas
o meu demónio,
permite que eu aceda
ao
favor de um beijo
que
me faça sorrir.
Demónio de sangue,
demónio esbanjador,
faz-me um favor:
espeta-me um beijo e sorri.
Demónio
de escolta,
meu segurança
dos demónios à solta,
espeta-me um beijo e sorri.
Demónio
da sorte,
transportador da minha felicidade
ou morte,
espeta-me um beijo e sorri.
Demónio
alimentador
da minha paixão
grande e assombrosa,
espeta-me um beijo e sorri.
Demónio
sugador
de toda a minha atenção;
demónio que me arrebata o coração;
espeta-me um beijo e sorri.
Demónio do amor,
rainha da beleza,
só tu fazes a minha dor.
Por assim ser, espeta-me um beijo e sorri.
Demónio
da minha vida
e da minha glória,
nem tu sabes o quanto
te quero arrancar um sorriso;
pois,
meu amor,
tu és o meu demónio
e eu não sei viver sem ti. (Cadima, José Pedro; 2004)
Sem
mais palavras, quase sem palavras, despeço-me de ti, “demónio da minha vida”.
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