sábado, dezembro 21, 2024

Minha Querida Helena (18)

Minha Querida Helena,

Ter-te-ás dado conta que as duas mais recentes cartas que te dirigi iam com as datas gralhadas: em vez do que aparece, deveria estar 17 e 18 de Agosto, respectivamente. Vais ter que me perdoar isso, que outra coisa não é que a expressão de uma mente cansada e baralhada. A gravidade da falta deverá ser compatível com o nível de tolerância que tu manténs em relação aos meus erros – assim o creio.

Na verdade, escrevi-te quase só para te transmitir isso e deixar este apelo. Não fora este pretexto, não querendo, por outro lado, repetir-me nos meus lamentos, não teria assunto para esta mensagem. Como bem sabes, não é assunto com que se mace quem quer que seja, muito menos alguém de que muito se gosta, dar notícia de um dia de trabalho cinzento após outro de idêntico tom, de um arrastar de pés dia após dia sem alegria nem esperança.

Assim sucedendo, dando corpo ao pensamento que me assiste, e também como forma de preencher esta página, ouso citar o meu filho num dos seus versos tão forte nos sentimentos que transmite quanto impressionante nos termos de que se socorre; a saber:

Demónio da minha paixão

Rio de sangue,

que transportas
o meu demónio,
permite que eu aceda

ao favor de um beijo

que me faça sorrir.

Demónio de sangue,
demónio esbanjador,
faz-me um favor:

espeta-me um beijo e sorri.

Demónio de escolta,
meu segurança
dos demónios à solta,

espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da sorte,
transportador da minha felicidade
ou morte,

espeta-me um beijo e sorri.

Demónio alimentador
da minha paixão
grande e assombrosa,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio sugador
de toda a minha atenção;
demónio que me arrebata o coração;
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio do amor,
rainha da beleza,
só tu fazes a minha dor.
Por assim ser, espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da minha vida
e da minha glória,
nem tu sabes o quanto
te quero arrancar um sorriso;

pois, meu amor,
tu és o meu demónio
e eu não sei viver sem ti.  (Cadima, José Pedro; 2004)

Sem mais palavras, quase sem palavras, despeço-me de ti, “demónio da minha vida”.

 

José Cadima

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