Sonhos a um espelho
Imagina só poderes ver os meus sonhos no meu reflexo. "Jornal de Parede" de José Pedro Cadima e de José Cadima
domingo, dezembro 21, 2025
Festas Felizes!
segunda-feira, fevereiro 10, 2025
Minha Querida Helena (63)
Minha Querida Helena,
Retomo o contacto contigo
depois de ausência longa, muito longa, motivada por razões de força maior. Foi
um afastamento penoso mas necessário, forçado por razões próprias de quem fez
caminho cruzando terreno bravio, sempre à beira de soçobrar.
Regresso cansado, de um
cansaço diferente daquele com que parti, mas, ainda assim, cansado. Embora às
vezes nos recusemos a admiti-lo, as viagens são quase sempre fatigantes, sendo
certo que ficar pode ser pior. Ensaio retomar algumas rotinas e, também,
algumas das referências que informaram a minha vida de sempre. Nem todas, já
que algumas me dizem pouco agora e outras receio não ter energia para as
agarrar de novo. Regressei, se bem que não esteja certo de que devesse ter
regressado ou, então, que seja este o momento certo para retornar a este lugar.
É verdade que muitas vezes -
porventura, demasiadas vezes – falta-nos a resposta para as questões que
colocamos, sendo bem melhores aqueles momentos em que não temos questões a
inquietar-nos. Sinto-me cansado, digo, mas, mais do que isso, sinto que me
falta ânimo e energia para enfrentar esta onda que tudo enreda e tudo arrasta,
deixando atrás de si desolação e destroços. Se destroço ainda não sou,
provavelmente pouco mais serei que desolação.
Custa-me a incerteza do que
farei amanhã ou, melhor, do que serei capaz de fazer amanhã, embora no meu
refúgio me sinta tranquilo, relativamente apaziguado com os meus espíritos e
seguro da sua inviolabilidade pelos espíritos alheios. O problema é quando abro
a porta e, desgraçadamente, abro-a vezes excessivas. Não o deveria fazer, eu
sei, mas há referências passadas de que nunca somos capazes de nos libertar por
inteiro (assim me parece).
Estou de regresso, embora não
esteja certo que seja avisado regressar e tenha por seguro que uma dimensão
fundamental de mim terá ficado nas paragens longínquas por onde deambulei
durante este tempo de ausência. Quem chega nunca é o mesmo sujeito que partiu.
No meu caso, chego mesmo a questionar-me quem sou já que dificilmente me
reconheço nesta desolação quase destroço em que me converti.
Gostava de te trazer boas
novas, meu amor de sempre. Gostava mesmo!
José Cadima
domingo, fevereiro 09, 2025
Minha Querida Helena (62)
Minha Querida Helena,
Estou naquela hora em que só a revolta e o desespero me assistem. Atravesso aquela hora do dia em que à minha volta só sinto tristeza e raiva; tristeza, por sentir que já não sou capaz de dar alma ao mundo que me rodeia; vazio por parecer ineficaz tudo quanto faço para que o dia seguinte não me apareça transformado num vale de lágrimas igual ao que foi o de hoje.
Falava eu há um par de dias de ciclos de esperança e desesperança, que se alternam. Pobre de mim que no meu desespero já confundo sonho e realidade. A esperança vive apenas na minha ansiedade; porventura, também nas minhas memórias longínquas. Não é parte da realidade que é o meu quotidiano. Aí, a alternância faz-se com acalmia, bonança, não com excitação, nunca com tempos de alegria aberta, sustentável.
Como aqui cheguei não to sei dizer. Questiono-me sobre se foram os meus olhos que foram pintando tudo mais sombrio ou foi o sombrio da minha envolvente que se foi impondo aos espasmos de conforto que ocupavam as minhas memórias. Questiono-me também como saberei percorrer caminho, descrente de alcançar um retiro que me permita recuperar energia, alcançar descanso.
Sobra-me o sonho fugaz de que voltes a ser o meu porto de abrigo, o meu lugar de evasão. Quer dizer, descrente de poder aceder à paz na terra, já só sonho com a tranquilidade que o céu me possa trazer. Atormenta-me entretanto o receio de que o meu céu não passe de ilusão de moribundo perdido em terra inóspita.
Atravesso aquela hora em que
todos os pensamentos me assaltam, menos aqueles que podiam dar-me força para
rumar contra uma maré que parece sempre prenhe de desgraças, pequenas e
grandes, e de incidentes que nos desgastam e nos esvaem as forças que restam.
Nesta hora nefasta, sonho com horas preenchidas por encontros, reencontros, retornos, alegrias de vidas simples, preenchidas por encontros, reencontros, retorno a lugares onde subsista espaço para o romance, para a simplicidade de vidas simples. Sonho...
Sobram-me tempos de desapontamento enquanto me
escasseia ocasião para o sonho das coisas simples, das pequenas realizações que
são pequenas alegrias que nos aquecem a alma e rejuvenescem o corpo. Sobra-me o
sonho fugaz de que voltes a ser o meu porto de abrigo, que queria que se
tornasse realidade desta hora. Seria um começo.
José Cadima
sábado, fevereiro 08, 2025
Minha Querida Helena (61)
Minha Querida Helena,
Tal como a economia, também a
minha vida parece desenvolver-se em ciclos, isto é, há ocasiões em que uma
desgraça só anuncia a desgraça que lhe sucede. No próprio dia de anos, apesar
de me ter refugiado no estúdio logo a seguir ao almoço, não me libertei de
receber a notícia que o João Miguel tinha tido negativa a História, atirada
assim como quem só quer dar uma prenda a alguém; neste caso, eu, que fazia anos
e, na boa tradição nacional, merecia uma prenda. Em Portugal, não se faz anos
em vão: há sempre uma prenda para receber, mesmo que nos refugiemos longe de
todos o dia de anos inteiro.
Do dia anterior, e de outros
antes desse, sobrava-me a memória das tuas palavras magoadas, comigo e com os
outros (nalguma medida, o mundo inteiro), e a tua atitude de desistência, que a
mim me soa a condenação por culpas que tenho mas que, conscientemente, recuso
que sejam só minhas e não minhas e tuas. A mágoa que daí me vem assistiu-me o
dia todo e, presumivelmente, acompanhar-me-á por muitos mais. Pior é, no
entanto, sentir que não está ao meu alcance provocar o abanão que te agite, te
desperte e afaste para sempre esse torpor que te colhe e te arrasta para um território de ninguém e,
desse jeito, me arrasta contigo para o desencanto, o território em que uma
desgraça só pode anunciar que uma outra desgraça se anuncia.
Escrevo estas letras enquanto
me interrogo como me vais responder quando, daqui a alguns minutos, te
telefonar: surpreender-me-ás com a prenda de uma palavra(um gesto) positiva(o)
ou, pelo contrário, limitar-te-ás a confirmar que, em fase negativa de ciclo,
uma má notícia que me chega só anuncia que outra está a caminho? Ou, simplesmente, não chegarás a atender,
confirmando com esse gesto toda a apreensão que me acompanhou ao longo do dia,
qual amarga prenda de anos?
Talvez não. Talvez, num gesto
de carinho, decidas pôr um sorriso e presentear-me com ele neste dia de anos
que não fiz questão de lembrar a ninguém e, por isso, me refugiei aqui tão cedo
quanto as obrigações de agenda mo permitiram. Daqui a pouco o saberei.
José Cadima
sexta-feira, fevereiro 07, 2025
Minha Querida Helena (60)
Minha Querida Helena,
Há momentos em que nos
sentimos esmagados. Para mim, acabado de regressar de tua casa, este é um
desses momentos. A tua desistência, a tua doença e a tua atitude deixaram-me
num tal estado. Não é a primeira vez que sou atingido deste modo tão
fulminante. Não é, por isso, que me encontro melhor preparado. Em boa verdade,
há factos ou situações para as quais não parecemos jamais preparados. Diria,
entretanto, que me sinto mais impreparado do que alguma vez me encontrei;
talvez por estar mais velho, mais desgastado; talvez por ter deixado de olhar
para diante com o optimismo doutros tempos.
Sempre lidei com grande
desconforto com o que não era capaz de entender ou com dificuldades que
escapavam à minha capacidade de dar contributo para a sua superação. Os
problemas só existem quando nos escapam os instrumentos para a sua resolução.
Doutro modo, não são problemas; são desafios.
Esmagado, digo; confesso-me
esmagado e dolorido: não é em vão que vimos escapar-nos por entre os dedos um
amor sofrido de muitos anos; não é em vão que se assiste ao assumir de uma
atitude de desistência de qualquer esperança por parte da mulher que dá calor à
nossa vida – desistência que raia a própria sobrevivência física. Esmagado,
confuso, desesperado olho em redor e não vejo senão desolação, desesperança,
vazio quando, em vez disso, precisaria sentir o teu calor, o teu estímulo, o
teu entusiasmo para seguir caminho contigo, meu amor de ontem, de hoje, do
resto da minha vida.
Volta para mim minha querida!
Não deixes que o vazio se apodere de nós! Não deixes que eu desista porque tu
desististe. Lembra-te que a desistência não era palavra que constasse do nosso
dicionário. Não desistas, meu amor: volta para mim!
quinta-feira, fevereiro 06, 2025
Minha Querida Helena (59)
Minha Querida Helena,
Acordei hoje com uma violenta
dor de cabeça de que não me libertei até esta hora em que te escrevo, e são
17,00. Não dormi de mais nem de menos. Deitei-me ontem pelas 23,00 horas,
porque me sentia um pouco cansado e com sono, e levantei-me hoje cerca das oito
e meia da manhã. Acordei três vezes durante a noite, algo que é comum, e, com
mais ou menos dificuldade, adormeci algum tempo
depois.
Ontem, trabalhei até à hora de
me deitar mas parei quando senti que precisava terminar. A tarde passei-a a ler
o jornal, aguardando a ocasião de encontrar concentração para o trabalho que
tinha por realizar. Nos dias precedentes senti-me cansado mas não tive dores de
cabeça. Estranhei apenas o cansaço que me assolava, sem razão aparente, mas
mais estranho esta maldita dor de cabeça. Admito que as coisas estejam ligadas
mas, assim sendo, ou se trata do afloramento de um cansaço de que não cheguei a
recuperar de todo ou as razões são de outra índole, não sabendo eu precisar a
causa próxima. Num e noutro caso, isto incomoda-me e não apenas a dor de cabeça
que me atormenta nesta precisa hora.
Durante a manhã conclui a
tarefa em que peguei ontem ao fim da tarde. Outras ficaram a aguardar vez. Já
durante a tarde assumi funções de tutor e ocupei-me das dificuldades de domínio
da língua portuguesa com que se confronta o José Pedro – refiro-me à pontuação
e à acentuação das palavras. Percebo-lhe as dificuldades, porque também passei,
mas incomoda-me que me faça refém delas constituindo-me no único agente a quem
cumpre fornecer-lhe ajuda. Tentei ser criativo, pelo menos, propondo-lhe o
exercício de um diário ficcional, que me proponho corrigir com ele
regularmente. A primeira peça do “diário de bordo” construímo-la os dois.
Pareceu-me motivado para o exercício – também é verdade que a proposta levava
em linha de conta a sua motivação para a escrita, que mantém embora lhe faltem
instrumentos básicos, conforme se pode daqui concluir.
Gostava de acreditar que vai
funcionar e mais gostava que funcionasse mesmo. Libertava-me de uma
preocupação, pelo menos. O alívio não sei se seria muito grande, atendendo a
que sobrariam pelo menos mil, mas seria grande, ainda assim: uma a menos.
Talvez fosse bastante para que a dor de cabeça que sinto me passasse e ficasse
só cansaço igual ao que senti ontem e antes de ontem, cuja razão de ser não
alcancei, ainda.
Não como dor de cabeça mas
como memória grata, fui sempre recordando os fugazes instantes do nosso
encontro de 6ª feira pp. Instantes fugazes de mais para me transmitirem a
energia que bastasse para afastar o cansaço que entretanto voltei a sentir
desde há um par de dias. Vou ansiar por nova dose, desejavelmente reforçada. Se
ela me achegar em tempo e quantidade bastantes, talvez este mal-estar seja
superável. Doutro modo, receio que não sóbre tutor, nem investigador, nem
companheiro, nem ser carente de ti, meu amor.
Fica registado, para que
conste.
Recebe um abraço apertado e um
beijo deste que padece de muitos males mas, especialmente, da tua ausência,
José Cadima
quarta-feira, fevereiro 05, 2025
Minha Querida Helena (58)
Minha Querida Helena,
Pronto, estou de volta. Estou
de volta às rotinas, que nem sempre são rotinas. Estou de volta à minha
pacatez, que não o é nada à medida dos meus anseios. Desafortunadamente, não
estou de volta para ti, pois parecemos irreparavelmente desencontrados. Pelo
menos assim se me oferece. Desencontrados, quer dizer, sem tempo nem espaço
para um abraço sem tempo, sem ocasião nem lugar para um beijo do tamanho do
mundo.
Pronto, estou de regresso ao
trabalho, que é esforço e é evasão e, desse jeito, faz com que os meus dias se
ofereçam menos penosos, na falta de ti. Anima-me a esperança de que amanhã seja
diferente, de que amanhã encontremos o tempo e o espaço para um momento de
reencontro, quer dizer, de comunhão íntima. Move-me a esperança, digo, até à
prova do dia seguinte, de um reencontro adiado. Háde ser no dia que se
sucederá! Será depois de amanhã, será!
Pronto, estou de regresso ao
meu lugar de confidência, à minha companhia segura de horas de solidão e de
desânimo, e de outras menos desafortunadas onde se tece a esperança de um
amanhã que sorri ou que, de algum modo, nos deixa espaço para sorrirmos. É
também um lugar de encontro: permite que me encontro comigo, com as minhas
ânsias e desesperos, mas não me deixa lugar para o reencontro com a paz
tranquila que só tu és capaz de dar-me.
Pronto, estou de volta à
música que me faz companhia e às notícias que me forçam a lembrar que existe
mais mundo que aquele que descortino da minha janela ou que pressinto nas
pessoas com que me cruzo, e me fazem sentir mais desconfortável, mais infeliz
por darem conta de vidas mais tristes que a triste vida que levo. Conforta-me
alguma música que ouço e conforta-me pensar que nem tudo é tão triste, tão
medíocre como o que me chega nas notícias que ouço. Conforta-me pensar que
amanhã, porventura, vou encontrar refúgio nos teus braços.
Pronto, estou de volta aos
meus pensamentos, às minhas frustrações e esperanças. Frustração por ficar nas
minhas acções muito aquém do que me daria alegria realizar. Esperança de poder
correr para os teus braços amanhã, já que hoje não pôde ser.
José Cadima
