segunda-feira, fevereiro 10, 2025

Minha Querida Helena (63)

Minha Querida Helena,

Retomo o contacto contigo depois de ausência longa, muito longa, motivada por razões de força maior. Foi um afastamento penoso mas necessário, forçado por razões próprias de quem fez caminho cruzando terreno bravio, sempre à beira de soçobrar.

Regresso cansado, de um cansaço diferente daquele com que parti, mas, ainda assim, cansado. Embora às vezes nos recusemos a admiti-lo, as viagens são quase sempre fatigantes, sendo certo que ficar pode ser pior. Ensaio retomar algumas rotinas e, também, algumas das referências que informaram a minha vida de sempre. Nem todas, já que algumas me dizem pouco agora e outras receio não ter energia para as agarrar de novo. Regressei, se bem que não esteja certo de que devesse ter regressado ou, então, que seja este o momento certo para retornar a este lugar.

É verdade que muitas vezes - porventura, demasiadas vezes – falta-nos a resposta para as questões que colocamos, sendo bem melhores aqueles momentos em que não temos questões a inquietar-nos. Sinto-me cansado, digo, mas, mais do que isso, sinto que me falta ânimo e energia para enfrentar esta onda que tudo enreda e tudo arrasta, deixando atrás de si desolação e destroços. Se destroço ainda não sou, provavelmente pouco mais serei que desolação.

Custa-me a incerteza do que farei amanhã ou, melhor, do que serei capaz de fazer amanhã, embora no meu refúgio me sinta tranquilo, relativamente apaziguado com os meus espíritos e seguro da sua inviolabilidade pelos espíritos alheios. O problema é quando abro a porta e, desgraçadamente, abro-a vezes excessivas. Não o deveria fazer, eu sei, mas há referências passadas de que nunca somos capazes de nos libertar por inteiro (assim me parece).

Estou de regresso, embora não esteja certo que seja avisado regressar e tenha por seguro que uma dimensão fundamental de mim terá ficado nas paragens longínquas por onde deambulei durante este tempo de ausência. Quem chega nunca é o mesmo sujeito que partiu. No meu caso, chego mesmo a questionar-me quem sou já que dificilmente me reconheço nesta desolação quase destroço em que me converti.

Gostava de te trazer boas novas, meu amor de sempre. Gostava mesmo!

 

José Cadima

domingo, fevereiro 09, 2025

Minha Querida Helena (62)

Minha Querida Helena,

Estou naquela hora em que só a revolta e o desespero me assistem. Atravesso aquela hora do dia em que à minha volta só sinto tristeza e raiva; tristeza, por sentir que já não sou capaz de dar alma ao mundo que me rodeia; vazio por parecer ineficaz tudo quanto faço para que o dia seguinte não me apareça transformado num vale de lágrimas igual ao que foi o de hoje.

Falava eu há um par de dias de ciclos de esperança e desesperança, que se alternam. Pobre de mim que no meu desespero já confundo sonho e realidade. A esperança vive apenas na minha ansiedade; porventura, também nas minhas memórias longínquas. Não é parte da realidade que é o meu quotidiano. Aí, a alternância faz-se com acalmia, bonança, não com excitação, nunca com tempos de alegria aberta, sustentável.

Como aqui cheguei não to sei dizer. Questiono-me sobre se foram os meus olhos que foram pintando tudo mais sombrio ou foi o sombrio da minha envolvente que se foi impondo aos espasmos de  conforto que ocupavam as minhas memórias. Questiono-me também como saberei percorrer caminho, descrente de alcançar um retiro que me permita recuperar energia, alcançar descanso.

Sobra-me o sonho fugaz de que voltes a ser o meu porto de abrigo, o meu lugar de evasão. Quer dizer, descrente de poder aceder à paz na terra, já só sonho com a tranquilidade que o céu me possa trazer. Atormenta-me entretanto o receio de que o meu céu não passe de ilusão de moribundo perdido em terra inóspita.

Atravesso aquela hora em que todos os pensamentos me assaltam, menos aqueles que podiam dar-me força para rumar contra uma maré que parece sempre prenhe de desgraças, pequenas e grandes, e de incidentes que nos desgastam e nos esvaem as forças que restam.

Nesta hora nefasta, sonho com horas preenchidas por encontros, reencontros, retornos, alegrias de vidas simples, preenchidas por encontros, reencontros, retorno a lugares onde subsista espaço para o romance, para a simplicidade de vidas simples. Sonho...

Sobram-me  tempos de desapontamento enquanto me escasseia ocasião para o sonho das coisas simples, das pequenas realizações que são pequenas alegrias que nos aquecem a alma e rejuvenescem o corpo. Sobra-me o sonho fugaz de que voltes a ser o meu porto de abrigo, que queria que se tornasse realidade desta hora. Seria um começo.

 

 José Cadima 

sábado, fevereiro 08, 2025

Minha Querida Helena (61)

Minha Querida Helena,

Tal como a economia, também a minha vida parece desenvolver-se em ciclos, isto é, há ocasiões em que uma desgraça só anuncia a desgraça que lhe sucede. No próprio dia de anos, apesar de me ter refugiado no estúdio logo a seguir ao almoço, não me libertei de receber a notícia que o João Miguel tinha tido negativa a História, atirada assim como quem só quer dar uma prenda a alguém; neste caso, eu, que fazia anos e, na boa tradição nacional, merecia uma prenda. Em Portugal, não se faz anos em vão: há sempre uma prenda para receber, mesmo que nos refugiemos longe de todos o dia de anos inteiro.

Do dia anterior, e de outros antes desse, sobrava-me a memória das tuas palavras magoadas, comigo e com os outros (nalguma medida, o mundo inteiro), e a tua atitude de desistência, que a mim me soa a condenação por culpas que tenho mas que, conscientemente, recuso que sejam só minhas e não minhas e tuas. A mágoa que daí me vem assistiu-me o dia todo e, presumivelmente, acompanhar-me-á por muitos mais. Pior é, no entanto, sentir que não está ao meu alcance provocar o abanão que te agite, te desperte e afaste para sempre esse torpor que te colhe  e te arrasta para um território de ninguém e, desse jeito, me arrasta contigo para o desencanto, o território em que uma desgraça só pode anunciar que uma outra desgraça se anuncia.

Escrevo estas letras enquanto me interrogo como me vais responder quando, daqui a alguns minutos, te telefonar: surpreender-me-ás com a prenda de uma palavra(um gesto) positiva(o) ou, pelo contrário, limitar-te-ás a confirmar que, em fase negativa de ciclo, uma má notícia que me chega só anuncia que outra está a caminho?  Ou, simplesmente, não chegarás a atender, confirmando com esse gesto toda a apreensão que me acompanhou ao longo do dia, qual amarga prenda de anos?

Talvez não. Talvez, num gesto de carinho, decidas pôr um sorriso e presentear-me com ele neste dia de anos que não fiz questão de lembrar a ninguém e, por isso, me refugiei aqui tão cedo quanto as obrigações de agenda mo permitiram. Daqui a pouco o saberei.


José Cadima

sexta-feira, fevereiro 07, 2025

Minha Querida Helena (60)

Minha Querida Helena,

Há momentos em que nos sentimos esmagados. Para mim, acabado de regressar de tua casa, este é um desses momentos. A tua desistência, a tua doença e a tua atitude deixaram-me num tal estado. Não é a primeira vez que sou atingido deste modo tão fulminante. Não é, por isso, que me encontro melhor preparado. Em boa verdade, há factos ou situações para as quais não parecemos jamais preparados. Diria, entretanto, que me sinto mais impreparado do que alguma vez me encontrei; talvez por estar mais velho, mais desgastado; talvez por ter deixado de olhar para diante com o optimismo doutros tempos.

Sempre lidei com grande desconforto com o que não era capaz de entender ou com dificuldades que escapavam à minha capacidade de dar contributo para a sua superação. Os problemas só existem quando nos escapam os instrumentos para a sua resolução. Doutro modo, não são problemas; são desafios.

Esmagado, digo; confesso-me esmagado e dolorido: não é em vão que vimos escapar-nos por entre os dedos um amor sofrido de muitos anos; não é em vão que se assiste ao assumir de uma atitude de desistência de qualquer esperança por parte da mulher que dá calor à nossa vida – desistência que raia a própria sobrevivência física. Esmagado, confuso, desesperado olho em redor e não vejo senão desolação, desesperança, vazio quando, em vez disso, precisaria sentir o teu calor, o teu estímulo, o teu entusiasmo para seguir caminho contigo, meu amor de ontem, de hoje, do resto da minha vida.

Volta para mim minha querida! Não deixes que o vazio se apodere de nós! Não deixes que eu desista porque tu desististe. Lembra-te que a desistência não era palavra que constasse do nosso dicionário. Não desistas, meu amor: volta para mim!

 

José Cadima

quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Minha Querida Helena (59)

Minha Querida Helena,

Acordei hoje com uma violenta dor de cabeça de que não me libertei até esta hora em que te escrevo, e são 17,00. Não dormi de mais nem de menos. Deitei-me ontem pelas 23,00 horas, porque me sentia um pouco cansado e com sono, e levantei-me hoje cerca das oito e meia da manhã. Acordei três vezes durante a noite, algo que é comum, e, com mais ou menos dificuldade, adormeci algum tempo  depois.

Ontem, trabalhei até à hora de me deitar mas parei quando senti que precisava terminar. A tarde passei-a a ler o jornal, aguardando a ocasião de encontrar concentração para o trabalho que tinha por realizar. Nos dias precedentes senti-me cansado mas não tive dores de cabeça. Estranhei apenas o cansaço que me assolava, sem razão aparente, mas mais estranho esta maldita dor de cabeça. Admito que as coisas estejam ligadas mas, assim sendo, ou se trata do afloramento de um cansaço de que não cheguei a recuperar de todo ou as razões são de outra índole, não sabendo eu precisar a causa próxima. Num e noutro caso, isto incomoda-me e não apenas a dor de cabeça que me atormenta nesta precisa hora.

Durante a manhã conclui a tarefa em que peguei ontem ao fim da tarde. Outras ficaram a aguardar vez. Já durante a tarde assumi funções de tutor e ocupei-me das dificuldades de domínio da língua portuguesa com que se confronta o José Pedro – refiro-me à pontuação e à acentuação das palavras. Percebo-lhe as dificuldades, porque também passei, mas incomoda-me que me faça refém delas constituindo-me no único agente a quem cumpre fornecer-lhe ajuda. Tentei ser criativo, pelo menos, propondo-lhe o exercício de um diário ficcional, que me proponho corrigir com ele regularmente. A primeira peça do “diário de bordo” construímo-la os dois. Pareceu-me motivado para o exercício – também é verdade que a proposta levava em linha de conta a sua motivação para a escrita, que mantém embora lhe faltem instrumentos básicos, conforme se pode daqui concluir.

Gostava de acreditar que vai funcionar e mais gostava que funcionasse mesmo. Libertava-me de uma preocupação, pelo menos. O alívio não sei se seria muito grande, atendendo a que sobrariam pelo menos mil, mas seria grande, ainda assim: uma a menos. Talvez fosse bastante para que a dor de cabeça que sinto me passasse e ficasse só cansaço igual ao que senti ontem e antes de ontem, cuja razão de ser não alcancei, ainda.

Não como dor de cabeça mas como memória grata, fui sempre recordando os fugazes instantes do nosso encontro de 6ª feira pp. Instantes fugazes de mais para me transmitirem a energia que bastasse para afastar o cansaço que entretanto voltei a sentir desde há um par de dias. Vou ansiar por nova dose, desejavelmente reforçada. Se ela me achegar em tempo e quantidade bastantes, talvez este mal-estar seja superável. Doutro modo, receio que não sóbre tutor, nem investigador, nem companheiro, nem ser carente de ti, meu amor.

Fica registado, para que conste.

Recebe um abraço apertado e um beijo deste que padece de muitos males mas, especialmente, da tua ausência,

 

José  Cadima

quarta-feira, fevereiro 05, 2025

Minha Querida Helena (58)

Minha Querida Helena,

Pronto, estou de volta. Estou de volta às rotinas, que nem sempre são rotinas. Estou de volta à minha pacatez, que não o é nada à medida dos meus anseios. Desafortunadamente, não estou de volta para ti, pois parecemos irreparavelmente desencontrados. Pelo menos assim se me oferece. Desencontrados, quer dizer, sem tempo nem espaço para um abraço sem tempo, sem ocasião nem lugar para um beijo do tamanho do mundo.

Pronto, estou de regresso ao trabalho, que é esforço e é evasão e, desse jeito, faz com que os meus dias se ofereçam menos penosos, na falta de ti. Anima-me a esperança de que amanhã seja diferente, de que amanhã encontremos o tempo e o espaço para um momento de reencontro, quer dizer, de comunhão íntima. Move-me a esperança, digo, até à prova do dia seguinte, de um reencontro adiado. Háde ser no dia que se sucederá! Será depois de amanhã, será!

Pronto, estou de regresso ao meu lugar de confidência, à minha companhia segura de horas de solidão e de desânimo, e de outras menos desafortunadas onde se tece a esperança de um amanhã que sorri ou que, de algum modo, nos deixa espaço para sorrirmos. É também um lugar de encontro: permite que me encontro comigo, com as minhas ânsias e desesperos, mas não me deixa lugar para o reencontro com a paz tranquila que só tu és capaz de dar-me.

Pronto, estou de volta à música que me faz companhia e às notícias que me forçam a lembrar que existe mais mundo que aquele que descortino da minha janela ou que pressinto nas pessoas com que me cruzo, e me fazem sentir mais desconfortável, mais infeliz por darem conta de vidas mais tristes que a triste vida que levo. Conforta-me alguma música que ouço e conforta-me pensar que nem tudo é tão triste, tão medíocre como o que me chega nas notícias que ouço. Conforta-me pensar que amanhã, porventura, vou encontrar refúgio nos teus braços.

Pronto, estou de volta aos meus pensamentos, às minhas frustrações e esperanças. Frustração por ficar nas minhas acções muito aquém do que me daria alegria realizar. Esperança de poder correr para os teus braços amanhã, já que hoje não pôde ser.


José Cadima

terça-feira, fevereiro 04, 2025

Minha Querida Helena (57)

Minha Querida Helena,

Longe, sinto-te longe, isto é, fazes-me falta acrescida. Longe, precisava-te perto, queria-te comigo mais ainda do que te necessito no quotidiano. Imagina, meu amor, a felicidade que podíamos desfrutar juntos, bem longe das rotinas e da mesquinhez do dia-a-dia.

Nestes poucos dias aqui em Barcelona, circunstâncias diversas mantiveram-me afastado de quase tudo. Surpreender-te-á, talvez, a pacatez da vida que aqui levei e a distância que mantive em relação a quase tudo. Não fiquei frustrado por isso. Lamentar, lamentarei tão só não te ter tido junto de mim, comungando dessa pacatez e tornando os meus dias mais aconchegados e, sobretudo, preenchidos por ti.

Já lá vai o tempo em que esta cidade me entusiasmava, no seu movimento, no seu colorido. Permanece uma cidade aberta, ainda é mais colorida que o comum das cidades mas já não se me sugere tão alegre: há nas ruas demasiados pedintes para que nos inspire contentamento; mesmo os prédios, a arquitectura se me oferece crescentemente cinzenta. Quiçá a cidade não esteja assim tão diferente e quem o esteja seja eu? Quiçá?! Talvez tudo me parecesse diferente se estivesses comigo. Talvez a sentisse mais fulgurosa, mais alegre.

Nesta hora, estou de regresso. Não lamento o tempo que aqui passei nem lamento ter estado ausente. Lamento apenas não te ter tido comigo, preenchendo os meus dias deste retiro e fazendo deles um pouco mais alegres, um pouco mais cheios, muito mais aconchegados. Sabes (sei que sabes – já te o repeti tantas vezes): tu és componente incontornável das minhas alegrias e frustrações. Quisera que fossem só alegrias! Longe, quisera ter-te comigo!

 

José Cadima