terça-feira, agosto 28, 2012

Viagens fora da minha terra (4)

A semana passada, o hemisfério Sul. A presente semana, o hemisfério Norte, a Norte mesmo.
Ontem, o aeroporto, primeiro, e o comboio que partiu atrasado, depois, mas que acabou por chegar em boa hora, apesar de tudo.
Hoje, o campus universitário, a conferência e os conferencistas, os caminhos de Santiago e outros caminhos de peregrinação, neste tempo que poucas vezes se oferece de esperança, e um sem número de comunicações, algumas fazendo pouco sentido.
Salvou-se o campus universitário, que o é de corpo inteiro, com espaço público, com espaços verdes e tratados que vão para além dos canteiros de flores, com salas adequadas e bem equipadas, com gente; um campus universitário com gente, digo.
Ontem, a rapariga que acariciava demoradamente o braço e a mão de outra rapariga, e a mulher que observava com espanto espelhado no rosto a carícia explícita, demorada, tão demorada quanto a viagem que fizeram juntas.
Ontem, o comboio que percorria o vale rasgado, lado a lado com o rio, e as vinhas verticalmente alinhadas na encosta da serrania vizinha. Alinhadas, sim. A surpresa, minha, porventura de mais ninguém, resultava do alinhamento do alto para o baixo ou do baixo para o alto, se preferirem, das vinhas, talvez por razões a que a latitude em que se encontram, ou outras que nos escapam.
Hoje, agora, alguma tranquilidade, finalmente, o desejo de uma noite tranquila, quer dizer, uma noite pautada por horas adequadas para deitar e para levantar.
Hoje, percorrendo as ruas de Colónia, e, antes, sentado numa sala de aula, senti-me em casa, de novo. Hoje, senti-me em casa, mesmo à noite, jantando num bar ornamentado com simbologia russa, num ambiente razoavelmente barulhento, animado por gente jovem.
Ontem, comendo com as mãos, num restaurante ´etíope`, senti-me menos confortável. Valeu a experiência, o carácter acolhedor do local, juntamente com a beleza exótica das funcionárias em serviço. O restaurante indiano vizinho, tentava-me mais mas nem sempre temos ou podemos ser reféns do primeiro impulso.
Amanhã? Amanhã voltarei ao campus universitário, à conferência, ao ritual das comunicações, às conversas de circunstância, à expectativa de encontrar algo que me surpreenda, e ao conforto, quiçá, de sentir-me em casa. 

José Cadima

segunda-feira, agosto 27, 2012

´Conversas` do quotidiano

quinta-feira, agosto 23, 2012

Maré (alta)

Eras a maré,
maré alta, entenda-se,
que me enrolava, que me arrastava.

Eras uma força a remar
contra os meus maiores objectivos.
E, no entanto, ali estavas,
derradeiro tormento e prémio.

Estranguladora e libertadora,
eras a minha morte criativa,
a minha paz eterna.

José Pedro Cadima

sábado, agosto 18, 2012

Viagens fora da minha terra (3)

O tempo passa, as pessoas passam, algumas em passo mais apressado, e eu vou ficando, por enquanto. Virá o meu tempo de partir, também. Nessa altura, serão outros que, porventura, repararão no passo que tomarei. Porventura…
Os semblantes são os mais diversos. As silhuetas diversas são, embora de perfil predominantemente europeu, apesar de estarmos em pleno Brasil. Quem diria?!
Não é esta a imagem que as nossas mentes têm gravada, registada em muitos momentos de observação da televisão, recriada pelas nossas mentes, que invocam morenas que caminham pela rua bamboleando-se, negras de saia rodada, bailarinas em pleno sambódromo.
Entretanto, não é disso que se preenche este aeroporto. Não são esses os sons que se escutam nem é esse o ondular de quem passa, alguns de passo mais apressado, outros que fazem horas, como eu.
Prefiro esta pausa à correria a que estas viagens nos impelem, amiúde, por força de horários inter-voos apertados ou de voos que se atrasam, o que acontece com demasiada frequência. Prefiro esta deambulação da mente, este tempo para a deambulação mental, neste cenário agitado, de aeroporto.
Mais tarde estarei de volta à cidade, de retorno às rotinas de trabalho, em tempo dito de férias. Mais logo, digo, retomarei o passo apressado que me trouxe até aqui e que não sei onde me levará, ainda.
Na frente, o quiosque de livros e jornais. Na frente, a “paneria” que noutros lugares seriam “lanchonete” e noutros, ainda, pastelaria ou, quiçá, café. Por agora, olho quem passa. Por agora, Portugal permanece distante, e longe está, até, o lugar que nesta altura “me espera”.
O aeroporto é isso: lugar de passagem; ponto de encontro; um intervalo nas nossas vidas, onde, nalgumas ocasiões, encontramos tempo para olhar os transeuntes e, até, para deixar a nossa mente deambular.
O som dos altifalantes chamando gente para o próximo voo irrompe na sala de espera de quanto em quando. No entretanto, permanece um ruído de fundo, construído de centenas de vozes imperceptíveis e ruídos exteriores de máquinas em movimento.
Saído dos altifalantes, aguardo o anúncio do nome de um lugar que me soe “familiar”. Será o meu próximo destino, ainda longe do instante do regresso às origens.

José Cadima 

quarta-feira, agosto 15, 2012

Num momento de pausa, recordando...


«Quero parar

Quero parar!
Quero seguir o meu caminho,
caminho distinto
do que me trouxe a estas paragens.
Quero parar, parar, parar
mas a inércia arrasta-me, impele-me,
deixando-me cada vez mais estreito
o umbral de arbítrio.
Anseio seguir por onde quero,
percorrendo estrada ampla,
liberta de sinais vermelhos.
Quero parar!
Quero retornar à utopia
que me trouxe a estes lugares,
que já não são de encontro,
antes são de desassossego.
Quero parar
para procurar caminho retemperador.»

José Pedro Cadima

domingo, agosto 12, 2012

Viagens fora da minha terra (2)

Se nem sempre são fáceis as viagens que faço na minha terra, não surpreenderá que menos o tendam a ser as que faço fora da minha terra, quando não num outro mundo, materializado em hábitos e posturas diferentes daquelas com que estou familiarizado, outras paisagens e outras gentes, outras horas e comidas. Falando da Uberlândia, uma vez mais, aparte as casas “fortificadas” tão comuns, não deixaram de surpreender-me outras realidades que imaginava bem distantes; a saber:
i)            a abundância de gente gorda, há semelhança do que já vira muito mais a norte, neste mesmo Continente, e de moças “de rabo pesado”, algumas bem jovens ainda;
ii)          contraditoriamente, num país tão jovem e a viver um período de tanto fulgor económico, na aparência que tomam as coisas no curto-prazo, pelo menos, a informação de que a taxa de natalidade se situa já abaixo do limiar de reposição de gerações;
iii)        a qualidade de certos equipamentos públicos, como um certo parque urbano (Sabiá) que encontrei, onde, paradoxalmente ou talvez não, se reúnem a certas horas multidões que acompanham miúdos irrequietos e/ou percorrem mais ou menos apressados os trilhos estabelecidos, procurando aligeirar rabos que se sugerem, amiúde, bem pesados;
iv)        a especulação desenfreada que graça com terrenos urbanos e urbanizáveis, para lá do multiplicar dos condomínios fechados e amuralhados que se encontram por toda a parte, na envolvente de uma cidade crescentemente espraiada;
v)          a abundância de aves, umas mais exóticas que outras, bastantes das quais se podem encontrar no seio da própria cidade, e de árvores e vegetação razoavelmente estranha aos olhos de um europeu, mesmo que do Sul;
vi)        a existência entre as árvores de algumas que serão ainda herança jurássica, em razão dos espinhos nos troncos com que se encontram ornamentadas; e, notem, não me estou a referir a arbustos mas, antes, a algumas de considerável porte; e, como última menção,
vii)      o encontro que tive com dois lagartos de considerável porte, um dos quais resolveu interromper-nos a jornada por um número considerável de minutos, posto que, a dado passo, hesitou entre permanecer no trilho que percorríamos ou retornar à floresta vizinha, porventura, menos ensolarada, se é que a presunção que assumo tem cabimento.
A surpresa e o exótico, são, como bem se sabe, a mais das vezes, o que mais leva gente a certas paragens. Sabia-o, embora não tivesse sido esse o motivo principal que me trouxe a este destino. Confesso entretanto que, tanto quanto o exótico, o que me atrai em muitos lugares é o seu oposto, isto é, o que é comum, uma rotina que não seja penosa, a familiaridade com as coisas e as gentes. A jornada vai ainda a meio, todavia. Por isso, há que guardar espaço para mais surpresas e mais exotismo. Assumido o desafio, não há recuo possível!

José Cadima

segunda-feira, agosto 06, 2012

Uma flor

Olho para o lado
e vejo uma flor.
És tu. Só podes ser tu!
Antes eras tojo
espinhoso e revoltado
tentando subir a montanha
ou, por vezes, fugindo dela.
Hoje és uma flor
cada vez mais luminosa,
cada vez menos espinhosa.

C.P.

domingo, agosto 05, 2012

Sonhei

Sonhei.
Sonhei alto
e o meu sonho levou-me a ti.
Somos circunstância.
Somos acaso.
Somos flor de laranjeira.
Já fomos tojo.
Já fomos urze.
Talvez possamos ser
campo de morangos, para sempre.
Trevo de 5 folhas já és.
Trevo de 3 folhas sou,
buscando, ansioso, sorte
que tão fugidia me tem sido.
Depois de tanto desencontro,
pode ser a hora do encontro.
Somos acaso.
Somos flor de laranjeira.
Somos campo de morangos
acabado de plantar.

José Cadima

sábado, agosto 04, 2012

Viagens fora da minha terra

Estafado da caminhada e do Sol escaldante, jogo o corpo na cama e tento alhear-me do desconforto que me assalta os pés, as pernas e, logo depois, o corpo por inteiro. Mais tarde retornará o desgaste da viagem recentemente realizada e o desacerto das horas. Em razão disso, quatro dias volvidos, ainda almoço na hora em que devia tomar o café da manhã e janto na hora em que devia lanchar. Neste trocar de horas, escapam-me o pequeno-almoço e o lanche, propriamente ditos.
Encontrei um Brasil diferente daquele de que me recordo: confiante, agitado mas não socialmente menos contrastado. Se não me deparei ainda com favelas e expressões extremas de pobreza, choquei-me com o multiplicar de condomínios fechados e cercas elétricas e/ou de arame farpado a rodear cada condomínio, cada prédio, cada casa, mesmo em pleno centro da cidade.
Uberlândia, nome de parque temático e imagem aérea noturna de surpreendente beleza em razão da regularidade e formas do seu alinhamento na paisagem. Uberlândia, ponto primeiro de passagem nesta jornada que há-de levar-me a outras terras sobre cujas surpresas que me possam estar reservadas me interrogo.
A Universidade da Uberlândia está em greve, à semelhança das demais universidades federais, em greve de professores há mais de dois meses, digo, por razões que me escapam mas que hão-de ser bem menores que as que achacam os professores e as universidades portuguesas nesta altura. É a relatividade das coisas. De momento, no entanto, a UMinho e Portugal estão distantes. Sobram-me as notícias da desgraça que me são trazidas pelos comentários colocados no Facebook e pelos títulos disponíveis no Twitter. De momento, digo, são esses os laços que mantenho com a minha terra. Para mágoa, já me bastam.

José Cadima

Arte (marinha) abstracta (III)





[Foto da autoria de C.P.]