quinta-feira, outubro 30, 2008

A dama olhada

Silhuetas aos milhares, de homem ou mulher, mas sempre evidenciando-se pelo contorno, pela sua delicadeza, passam nestas ruas.
“Feita para aqui estar, para te seduzir”, disse uma delas. “ Muitas mãos me tocaram e me tentaram domar mas minha mestra, lá em cima, soube ter lábios para aceitar muito poucos dos que tentaram e rejeitar muitos que não me chegaram sequer a tocar”, disse a de cintura mais estreita que por ali passava.
A sua mestra tinha cabelo ondulado, que encaracolava à medida que descia dos seus ombros até meio das costas. Eram pretos. Os seus olhos eram castanhos-claros, com uma leve mistura de mel. Não o percebia bem ao longe, mas que tinham brilho tinham. Percebia-se-lhe juventude e paixão no que fazia, mas o que seria que fazia? Confiarei nas palavras da sua silhueta.
Sua cara apresentava um tom rosa leve, muito leve, aproximando-se do bege. Suas sobrancelhas não eram finas nem grossas; tinham a largura de um lápis ou de um pau de um gelado, se assim preferirem. Consegui cheirar o seu perfume, brevemente, quando passou por mim. Fiquei arrebatado. Fiquei parado a olhar para a frente enquanto a deixava passar por mim e, mais adiante, passava por outros que não faziam como eu. Eu ficara paralisado, com medo de olhar para trás, com medo de me apaixonar, com medo de ver algo que me fizesse corar. A beleza fazia-me corar.
O medo afastou-se. Deve ter percebido que ela já há muito tinha esse efeito em muitos homens. Fiz então o que o resto das pessoas que por ali passavam já tinham feito, que era voltar a olhá-la do ângulo que fosse possível.
Muitos homens a olhavam, muitos a contemplavam, muitos a desejavam. Percebia-se nalguns a paixão que os assaltava. Muitos reteriam a sua imagem para lembrá-la em noites solitárias. Ela era a mais bela figura que alguma vez tinham visto. “Não se vê disto todos os dias”, retorquiu a silhueta de um homem ao pensamento do mesmo.
Também muitas mulheres a olhavam e muitas a odiavam. Comentavam entre elas ser a outra falsa. Invejavam-na e tentavam convencer-se da respectiva superioridade. Outras, por contraponto, retinham a imagem para dela se recordarem em noites solitárias…

José Pedro Cadima

(excerto de texto inédito de 2006, intitulado “Ano de abertura”)

terça-feira, outubro 28, 2008

There are free lunches!

There are NO free lunches” é uma expressão anglo-saxónica que significa: “não há almoços grátis”. Esta expressão é uma metáfora para o (ex)facto de nada ser de graça, coisa que se revelou ser mentira a partir do Plano Paulson, recentemente aprovado pelo congresso dos Estados Unidos da América.
Mas o que é preciso para se ter um almoço grátis? E quem foram os felizardos que, em tempo de vaca magras, o tiveram?
Nos últimos dois mandatos presidenciais dos Estados Unidos da América, o bem amado George W. Bush esteve um bocado desatento em relação ao andamento do sistema financeiro Norte-americano. Sem culpa, é claro! Quem, como a América do Norte, tem também que gerir o resto do mundo, em especial, o Iraque e o Afeganistão, e, também, de regular as regiões do Irão e Coreia do Norte não tem tempo para se importunar com os amigos e família, de modo a apurar se tudo corre bem nas respectivas gerências empresariais.
Apesar de todo o trabalho a que George W. Bush se tinha incumbido de fazer para lá do Pacifico e do Atlântico, a gestão e regulação dos mercados dos EUA não foi totalmente ignorada (deixou-a a cargo de um conselheiro). O ex-primeiro ministro Alemão, Gerhard Schröder, fez declarações em que referia que Deus aconselhava George W. Bush nas suas decisões politicas. Algo que se podia constatar pela forma como terminava todos os seus emblemáticos discursos. Pena que a omnisciência e a omnipotência não sejam o que já foram e o sistema financeiro esteja à beira de ruir.
A bolha especulativa do “subprime” rebentou no final de 2007, trazendo à luz do dia o ciclo de insustentabilidade em que o sistema financeiro Norte-americano se tornara. Mas, mesmo com a entrada no famoso “Bear Market”, ninguém tomou consciência daquilo que se aproximava: no dia 7 de Setembro de 2008, o país mais liberal do mundo nacionalizou a Fannie Mae e a Freddie Mac, que detinham metade dos empréstimos à habitação dos Estados Unidos. Uma semana depois, o Lehman Brothers, um dos maiores bancos americanos, que já contava com 150 anos de história, foi obrigado a declarar a bancarrota. E ainda nesse mesmo dia foi anunciada a compra do Merrill Lynch pelo Bank of America. Sucedeu-se o caos financeiro que levou a América e o Mundo a enfrentar uma segunda-feira “negra”. Mas a terça-feira não foi mais clara: as acções da AIG, 18ª maior empresa do mundo (Forbes Global 2000, 2008), caíram 95% do seu valor de mercado.
A resposta mundial foi coordenada: os maiores bancos centrais do mundo injectaram capital nos mercados. Em resposta, não ocorreu melhoria significativa. O Plano Paulson deu algum ânimo aos investidores, mas rapidamente foi rejeitado pelo contribuinte americano, sendo depois também rejeitado pelo congresso, a 29 de Setembro. Entretanto, pela Europa, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo apressavam-se a salvar o Fortis, sendo que dois dias depois a Bélgica e o Luxemburgo voltavam à cena para, com a França, disponibilizar 9 mil milhões para salvar o Dexia.
Dia 3 de Outubro é aprovada uma nova versão do Plano Paulson. A Islândia afunda-se na crise com a obliteração do seu sistema financeiro e uma dívida igual a 12 vezes o seu PIB. Dá-se mais uma segunda-feira “negra”, seguida, nessa mesma semana, de um corte nos juros por parte dos maiores bancos centrais mundiais, que acaba por não fazer efeito nos mercados. Não há confiança dos investidores no poder instituído.
Enquanto as poupanças da classe média desaparecem, alguns encontram a oportunidade de almoçar de graça: R.Fuld, do Lehman Bros, e J.Cayne, da Bear Stearms, arrecadam, cada um, 40 milhões de $EUA em compensações. R.Syrona, da Freedie Mac, e Daniel Meal, da Fannie Mae, arrecadam 20 milhões e 12,2 milhões de $EUA, respectivamente. Já S.O’Neal, da Merril Lynch, acomoda-se a receber 46 milhões de $EUA.
Mas houve uma administração que levou à letra a expressão "there are no free lunches" como uma provocação! A título de celebração pela aprovação do Plano Paulson, a administração da AIG esbanjou 440 000 $EUA em tratamentos de SPA, jogos de golfe e almoços, tudo por cortesia dos contribuintes norte-americanos!
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José Pedro Cadima

sábado, outubro 25, 2008

O sábio (2)

Um dia, fui procurar o amor.
Julguei, até, tê-lo encontrado.
Puro engano: não passava de uma miragem,
a miragem do amor.

Um dia, fui ter com um velho sábio
e perguntei-lhe o que se escondia no céu.
Ao que ele respondeu: “o amor”!
Fiquei, então, a saber que prefiro o inferno,
porque, na terra, demasiadas vezes
a dor do amor eu provei.

José Pedro Cadima

(texto originalmente datado de 2004, editado por José Cadima na presente data)

quinta-feira, outubro 23, 2008

O verdadeiro prazer - III

Dia 3: Ontem, nem pensei. Limitei-me a deixar correr as palavras “então até amanhã Alexandre” na minha cabeça, à procura de uma imagem em que me segurar, à procura de encontrar algo a que me agarrar. Hoje, depois de, a partir das dezasseis horas de ontem, ter entrado de férias, a voz voltou:
“Nunca tinhas sentido tal ansiedade, não é verdade? É normal que assim fiques. Mantém a coragem na expressão do teu rosto e nas tuas palavras”.
“Hoje, ao saíres, vais consumar o acto: vais seduzi-la. Vais mostrar que és capaz, mostrar a ti mesmo que consegues!”
“- Assim farei, porque tu mo dizes. Se contigo até aqui cheguei, é contigo que lá vou chegar.”
De novo no sítio de ontem, à mesma hora, com o mesmo atraso por parte dela. Por fim, ela chegou e lá fomos em silêncio até ao parque, alimentando uma conversa fútil, comigo apenas a seguir as boas regras do falar nas alturas certas, dizendo as coisas certas. Ela parecia encantada, enquanto eu, observando-a desta forma distante, começava a ver nela uma pessoa algo enfadonha mas ainda com um “charme” que me atraía. Entretanto, as regras que ia seguindo, não me deixando ser eu, em sentido autêntico, deixavam-me desconfortável.
Fomos até uma parte mais escondida daquele belo parque.
“Atrasa o teu passo. Deixa-a ultrapassar-te e abraça-a por trás! Ela vai adorar…”
Assim fiz, mais uma vez. Mais uma miserável vez, segui uma ordem que me levaria à vitória. Não me senti confortável, no entanto. Antes, senti senti um esboço de revolta na minha alma. Todavia, neste caso, os fins justificavam os meios.
A respiração dela e a minha ficaram em alvoroço com esse abraço. As mãos dela cobriam as minhas e o meu corpo apertava-se contra o dela e o dela contra o meu. Era mútuo o agitar dos sentidos. Rodeei-a, segredando-lhe ao ouvido:
- Não esperavas nada disto de mim, minha rosa, flor do meu jardim?
Enquanto isso, questionava-me sobre se não estaria a ser lamechas.
Ela corava e eu beijava as suas bochechas coradas. Ela sorria e eu beijava-lhe as covinhas da cara. O beijo boca a boca aproximava-se. Eu consegui-a vê-lo ao longe, a correr. Chegaria depressa!
As minhas mãos subiram quase até aos seus seios e a sua cabeça inclinou-se para trás. Eu, entretanto, inclinei-me para um dos lados e, no momento em que a sua cabeça se virou para mim, estávamos com os nossos lábios frente a frente.
“Não o faças! Agora que tens o poder da sedução, vinga-te! Não foi ela que te repudiou um dia? Não foi ela que te fez sofrer uma vez ou até mais vezes? Foi, não foi? Ela nem bela chega a ser. Tu nem tens a certeza de querer tê-la! Mostra-te superior. Terás quem te mereça. Não uma mulher fútil… Retirarás daí outro prazer. Acredita que esse será bem maior. A mente sobre o corpo, não é o teu tipo? Não é o que ansiavas? Vais beijá-la ou rejeitá-la, à semelhança do que ela te fez, antes? ..."
"...Ensinei-te a obedecer às minhas ordens, para teu bem. Agora, apenas te deixo este conselho: faz a tua escolha!”
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José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 22, 2008

Cartas de Amor ou quase

“Fico contente por saber que tiveste hoje um dia melhor que os imediatamente antecedentes. Agora, só precisas de ir melhorando um poucochinho cada dia. Aliás, eu também."

José Cadima

domingo, outubro 19, 2008

Amar-te ... E sorrir

Amar-te fortalece a minha alma
Amar-te capacita-me para enfrentar o mundo
Para enfraquecer as tormentas que vão surgindo
Ajuda-me a quebrar as ondas vivas
Que se avizinham perto da costa
Amar-te faz-me sorrir quando te vejo
Faz-me sorrir quanto te lembro
Conclui há pouco tempo
Que todos nascemos para amar
Mas nem todos temos a felicidade de ter um "objecto" de amor
Eu encontrei essa felicidade
A de te amar… E a de seres o meu "objecto" de amor

C.P.

sábado, outubro 18, 2008

O verdadeiro prazer - II

Dia 2: “É tudo uma questão de timing; uma questão de saber dizer as coisas certas nas alturas certas; uma questão de tudo o resto não existir ou, se existir, apresentarmo-nos de igual para igual ou até superiores. Isso impressiona; chama-se segurança. Toda a gente ambiciona sentir isso e, quando alguém tem confiança, desperta interesse! Parece que o que dizes é realmente verdade, é realmente importante, é realmente interessante, mas, se virmos bem, tudo o que digas ou possas dizer é sempre descartável. Os seres humanos funcionam assim.”
Os ensinamentos que me são transmitidos são assustadoramente assertivos. Se calhar é isso que me faz ter interesse neles… Se calhar é essa a ideia que devia ter de tudo. Ontem… Como é que ontem?! Oh… Será que é esta voz que me fez ganhar coragem? Será mesmo o meu subconsciente? “Não importa…” Pois não…Nada importa!
Ontem mandei uma mensagem à Rita a convidá-la para sair e ela disse que sim. Vamos dar um passeio pela cidade, ver os jardins e assim…
Combinámos encontrarmo-nos junto à escola. Ela está atrasada cinco minutos, mas já a vejo ao fundo. Vem com seus cabelos castanhos decoradas com madeixas naturais loiras. Os seus cabelos são levados com o vento. A primeira vez que a vi foi ao vento. A primeira vez que reparei nela, era o vento que a puxava, levando-a pelos seus cabelos…
- Olá! – disse a sorrir
- Olá! – respondeu ela com um sorriso copiado do meu
Começámos a andar. Entrámos num jardim e nenhum de nós falava. “Coragem”. Disse a voz, e eu ganhei coragem e as palavras saíram:
- Estás melhor que ontem? Já tens tudo na cabeça?
- Já! – sorriu-me
“A mentira é tão bonita. Não te preocupes com esse assunto. Comenta algo, critica, mostra-te de pensamentos próprios, deixa-a a pensar. A confusão é meio caminho…”
- Gosto de ver aqueles idiotas ali, com 2 pares de óculos de sol - ela riu-se, concordou e continuou a conversa.
Entretanto, a voz ia-me dizendo, constantemente: “espera”. Ela, por sua vez, ia falando.
Como gostam estas raparigas de falar, como gostam que concordem com elas. É tudo isso o que importa, o timing.
“Sempre aprendeste alguma coisa. Rápido! Faz um comentário sobre aquele cão. Não sejas cómico desta vez”. E não fui. Crucifiquei o cão, pela nojice como se apresentava. Rita concordou com cada letra do que disse, até com os “á” sem “h”, isto é, mal escritos e mal ditos.
A tarde foi boa. Cheguei a abraçá-la uma ou outra vez. Assumi uma postura familiar, de amigo íntimo. Tentei ganhar-lhe a confiança. Tive coragem para lhe falar. Tive segurança ao falar. Mantive-me calado de quando em quando. É giro impressionar alguém. É tão giro impressionar alguém. Talvez seja isso que nos faz vazios: ter que respeitar certas coisas para poder ter outras. É uma espécie de custo de oportunidade!
Ela estava a adorar. Á medida que a tarde corria isso sugeria-se mais óbvio: nos comentários que fazia, na familiaridade com que me tratava. Pela minha parte, tudo isso me fez sentir miserável. Como vou agora acreditar em mim? Não… na voz, porque quando estamos desesperados é noutros que nos apoiamos e noutros que acreditamos, e quando os outros estão certos, fingimos ser como eles.
- Então, até amanhã Alexandre!
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José Pedro Cadima

quinta-feira, outubro 16, 2008

Acordo a sentir teus beijos

Acordo a sentir teus beijos.
Adormeço a imaginar teus abraços.
Ao saudar-te, posso jurar
que sinto teus lábios.
Estremeço só de me lembrar de ti.
Sinto teus os meus cabelos pela manhã
e pareço sentir tua boca
ao beber água cristalina ao pôr-do-sol.

Vejo-te onde quer que me encontre
e chamo por ti como se chamasse pela vida.
Estou louco.
Estou louco por ti!

José Pedro Cadima

(poema extraído de Sonhos a um Espelho, Papiro Editora, Porto - no prelo)

terça-feira, outubro 14, 2008

És diferente

És diferente…
Diria mesmo, totalmente diferente
Diferente de todos os outros
Na tua simplicidade e complexidade
Na tua frontalidade e fragilidade
Na tua sinceridade e honestidade
No amor que me dás…
Quando és inteligente
Quando és determinado
Quando me olhas
Sinto que és diferente
Muito diferente dos outros
Diria mesmo, totalmente diferente
És diferente…
E amar-te é também fazeres sentir-me diferente

C.P.

segunda-feira, outubro 13, 2008

O verdadeiro prazer - I

Dia 1: Choro, choro, choro. Mais valia o suicídio a isto! Mais valia pôr fim a todo este universo que criei em minha volta. Mais valia perder a vida.
“Escuta!”.
A vida não faz sentido. Nasci feio. Nasci o mais feio!
“Escuta!”.
Uh?! Uma vozinha interrompeu o meu pensamento.
"- Quem és tu?!"
“Responde isso a ti mesmo e mais tarde trabalharemos na minha identidade”.
A minha mente perdia-se nesta frase mas, antes de poder sequer responder, a pequena voz, que parecia partir do meu subconsciente, interveio novamente:
“Se te achas capaz de ser aquilo que querias, escuta-me e farás o que te direi. Dar-te-ei o dom da sedução”.
Que resposta poderia eu dar a isto? O que eu queria, a voz já o sabia: queria ter o poder de manipular como me manipulam a mim, que é o que importa neste mundo.
"- Eu aceito… Dá-me a ordem! Eu seguirei tudo!"
“Sai à rua!"
E os seus desejos, que não eram mais que cumprir os meus, foram cumpridos.
“Café lá da escola…”
E lá fui, seguindo cada passo que me era sugerido. Quem estaria lá que eu desejasse tanto?
Entro no café. Ao fundo está a Rita, a bela e única Rita, que tanto eu desejei que olhasse para mim e tanto me deu para trás… Que estou aqui a fazer? Já não a desejo… Pelo menos, não tanto como quando era ela o meu único desejo.
“Se já a desejaste tanto, é impossível que a chama se tenha apagado por completo. Apenas a acalmaste”.
Transpirei, tremi.
“Não tenhas medo, ela quer-te!”.
"- Quer?"
“Sim, quer, e tu também. E vais tê-la porque a mereces”.
Voltei a transpirar.
“Avança!”.
Assim fiz…
- Olá Rita! – disse
- Olá Alexandre… - respondeu com um ar um pouco abatido. Não parecia contente de todo em ver-me….
“Pergunta o que se passa! Junta-lhe humor… Fá-la sorrir e elogia esse facto!”.
"- Perdi-me. O que tu, voz dos céus me pedes é demasiado para mim…"
“O importante é não te deixares incomodar ou amedrontar. Ela ou uma cadeira são a mesma coisa. Tens que conquistar para poderes possuir. Faz o que te digo! Confia. Faz como que te disse!”.
- Que se passa? Pareces abatida… (como vou eu juntar humor a isto!?).
“ Se estás triste por causa do cabelo não te preocupes, ele continua uma lástima!”
– Se estás triste por causa do cabelo não te preocupes, ele continua uma lástima!
Ela riu-se.
- Oh!
- Estava a ver que não conseguia sacar de ti um sorriso hoje.
- Conseguiste! – sorriu
E que belo sorriso…
“Sorri para ela e inclina os teus olhos para ela. Baixa as pálpebras, deixando-as entre-abertas”.
Assim fiz.
- Estás diferente!
A seguir à resposta dela, a voz surgiu para me fortalecer com a sua sabedoria:
“É… Dizem que cresci. A pergunta é se isso será bom! Sê sarcástico!”
E assim fiz.
- É! Dizem que cresci, mas ainda não sei se isso é bom. Se é que me percebes – sorri
- Se calhar até é… - sorriu para mim e bebeu um pouco de sumo de laranja que tinha no seu copo
- Que faço agora!?
“ Tens que ir! Diz que estás atrasado. O tempo é sempre fundamental.”
- Olha, tenho que ir !
“Muitas coisas interessantes me esperam!”
– Muitas coisas interessantes me esperam!
“Não pareças intimidado…”
"- Ok., ok.!"
- Não sou interessante, não é?
“Talvez! Vemos isso noutro dia…”
– Talvez! Vemos isso noutro dia! – sorri.
Despedi-me e fui em direcção à porta.
“Mostra-te interessado! Diz-lhe algo e depois diz para esquecer”
- Olha Rita… e se… nah. Esquece!
- Agora não esqueço! Que querias perguntar?
“Nega tudo…”
– Não era nada…
“Convida-a para saírem amanhã.”
- Diz, senão fico zangada contigo!
- Queres sair amanhã?
- Quero! Tens o meu número?
Então não havia de ter? Tanto tentava chamar-lhe a atenção, tanto transpirava à sua beira, sem que ela me passasse a bola. Tinha o Carlos atrás de si, muito mais giro, muito mais interessante …
- Sim, tenho o teu número! Então, logo digo-te algo!
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José Pedro Cadima

sábado, outubro 11, 2008

Minha Querida Helena

Não pretendendo tomar-te muito tempo, gostaria que me dissesses como vão as coisas contigo. Voltaste a dormir mal? Tens conseguido dar encaminhamento aos teus assuntos? Se precisares da minha ajuda, daqui, em relação a algo que esteja ao meu alcance, diz-mo, por favor.
Não fora o contexto de saúde que vives e a forma como isso condiciona o teu estado emocional, não ousaria enviar-te esta mensagem. Se te desconfortar responder-me, não o faças. Falaremos na primeira oportunidade sobre esse assunto.
Numa tua anterior mensagem, questionavas-me a respeito de breves considerações que fiz sobre a planta que tens em casa. A esse propósito, disse-te já tudo o que havia a dizer. A sublinhar, há só a exigência que, de agora em diante, a trates de modo bem diferente, única forma que tens de te redimires dos maus-tratos a que a sujeitaste, voluntária ou involuntariamente. Dos traumas que viveu, dada a respectiva profundidade, dificilmente ela se vai libertar, por muitos anos que viva. Também não entendi que dúvida te pôde suscitar a referência que fiz ao tema do congresso em que estás a participar. Não é por seres especialista dessas matérias que foste convidada? Não, não me queria referir à exigência que fizeste para que fosse ao médico, e a todas as análises que esperas que faça e que estou seguro que me vou arrepender de fazer. Se eu quisesse estar doente, há muito tempo que tinha procurado um médico.
Quando te mandei a mensagem ontem, estava longe de imaginar que ainda irias responder. Que é isso de andares a fazer jejum numa altura em que nem os muçulmanos o estão já a fazer? Lembra-te que não é Verão, pelo que não é caso para estares para aí angustiada com o receio de ganhares umas gorduritas, que eu duvido que ganhasses, em qualquer dos casos. Acho, por outro lado, que não deves sacrificar as tuas horas de sono, e muito menos para me responderes. Por favor, tem isso presente. Se não te posso ser agradável doutra forma, pelo menos que retenhas de mim a preocupação que tenho com o teu bem-estar.
Da tua mensagem, deduzo que conseguiste superar as dificuldades que te oferecia o teu dia de 5ª feira. Ainda bem! Hoje, tudo há-de correr ainda melhor. Por essas paragens, que classificas de deslumbrantes (não sei se o termo mais indicado não seria paradisíacas), as coisas terão necessariamente que ir bem.
Cá fico a aguardar o teu regresso, cheia de energia. Não tendo a tua energia e juventude, receber-te-ei com um abraço do tamanho da saudade imensa que tenho de ti.
Um beijo muito grande,

José Cadima

sexta-feira, outubro 10, 2008

“Crónicas do reino da bicharada” - III

3. Neste jogo da política dos interesses, sinceramente não sei o que me espanta mais: se a mediocridade dos argumentos usados para justificar o injustificável; se a incompetência em matéria de gestão dos dinheiros públicos.
Dizendo isto, mantenho presente, por um lado, a leviandade com que o governo prescinde do pagamento das portagens na ponte do Tejo, em Lisboa, em Agosto p.f., e, por outro lado, a leviandade ainda maior com que prescindiu das portagens de auto-estradas nas cercanias de Lisboa e Porto, logo a abrir a governação PS. O pior que tudo é que quem em última instância sai penalizado são os contribuintes, todos, e não apenas aqueles a quem as infra-estruturas vão servir.
Para ilustrar a ligeireza do exercício da política em Portugal, talvez não haja melhor exemplo do que as declarações do Sr. João Soares a propósito da manutenção do pagamento da portagem na ponte 25 de Abril. A propósito, confessava o dito senhor que, até data recente, não tinha percebido que o pagamento de portagem servia de travão ao afluxo de tráfego a Lisboa, isto é, sem portagem o congestionamento viário da ponte e de Lisboa seria bem pior.
Pois bem, para quem não saiba, o Dr. João Soares é o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, lugar em que sucedeu ao Dr. Jorge Sampaio, Presidente da República.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/07/06, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

terça-feira, outubro 07, 2008

“Crónicas do reino da bicharada” - II

2. Já que estamos em ocasião de comentário a matérias de índole futebolística, se bem que só por acidente de percurso, talvez não seja descabido falar do «toto-negócio», que nestes dias foi discutido na Assembleia da República.
Por ocasião da publicação do compromisso assumido, o governo PS fez muita questão de dizer que aquela era uma má solução para as dívidas dos clubes de futebol ao Estado, mas era a única possível. E mais insistia, reagindo à crítica da oposição e da opinião pública, que lhe apresentassem solução alternativa, se a tinham. Pretendia deste modo anular a justeza da indignação sentida com o argumento de que, não existindo outra via, o governo tinha dado expressão de lucidez e bom-senso.
Neste negócio embrulhado, o governo escudava-se, assim, na lógica aristotélica, na sua versão de bolso, que, partindo de uma premissa falsa que estabeleça conexão com outra que seja verdadeira, pretende concluir a veracidade de uma terceira que é, realmente, aquela que justifica todo o exercício de mistificação. Na circunstância, o objectivo derradeiro era (sempre foi) o perdão fiscal, e a ideia agitada de que a partir daí se podia partir para a prisão da «máfia do futebol» não passava de argumento para enganar tolos. Ora, o que é curioso é que este é, de facto, um exercício arriscado já que, usando o mesmo recurso lógico, tudo pode ser posto completamente ao avesso e, neste caso, fazer-se efectivamente justiça.
Bastava para tanto que se começasse por meter na prisão o Sr. Pinto da Costa, o Sr. Valentim Loureiro e uns tantos mais, e a partir daí a cedência dos dinheiros do totobola aos clubes de futebol deixaria de constituir uma demonstração humilhante de fraqueza do poder político perante os «senhores» do futebol, para poder ser vista como o primeiro passo da refundação do futebol em Portugal.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/07/06, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, outubro 05, 2008

“Crónicas do reino da bicharada" - I

1. Por ocasião do campeonato da Europa de futebol, recentemente realizado, os jornais deram notícia do desvio de um avião, no regresso de Inglaterra, de Lisboa para o Porto. Conforme se noticiava, a operação foi levada a cabo por dois conhecidos membros da «máfia do futebol».
Descrentes da eficácia da actuação das autoridades policiais, aos passageiros não restou senão exprimir a sua indignação com uma forte assobiadela à saída dos «meliantes». Para este sentimento de descrença que refiro, muito terá contribuído a memória do beija-mão a um dos «padrinhos» a que se reportava a notícia a que se sujeitou o primeiro-ministro português, Eng. António Guterres, não vai para muito mais de um mês.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/07/06, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quinta-feira, outubro 02, 2008

O mundo do nojo

O mundo funda-se em muita coisa. Porquê? Porque é o mundo de muita gente: o meu mundo; o teu mundo; o mundo dele; o mundo dos outros. Não há o nosso mundo, pois o meu sou incapaz de partilhá-lo seja com quem for, ou talvez tente partilhá-lo, talvez consiga partilhá-lo mas facilmente me refugio num sítio aonde ninguém consegue chegar.
O meu mundo talvez seja diferente. Talvez seja maléfico, porque muitos o achariam impossível de viver, e eu ouso dizer que não sei viver nele.
Às vezes, o meu mundo parece-me seres tu. Mas é mentira… Tu és apenas uma tempestade. Disse apenas? Queria dizer que eras o próprio tempo, uma das causas que permite ou não a vida no meu mundo.
O tempo passa com o tempo (deveria passar, não deveria?), chuva, sol, neve, nevoeiro, mas a tempestade grande és tu. Sei lá porquê! Só sei que não percebo.
Quando não eras minha, angustiava-me que o não fosses. Sentia nojo de seres doutro. Quando eras minha, incomodava-me teres sido doutro. Sentia raiva de não teres sido minha, primeiro. Quando passares a ser novamente de outro, sentirei nojo de teres sido minha e de seres de outro, depois.
Sinto nojo de mim mesmo por pensar assim. Sinto-me nojento por ter desejado partilhar alguma coisa contigo. Incomoda-me ter tido alguma ligação a ti e, ao mesmo tempo, sinto-me mal por ter-te deixado fugir. Repito: sinto nojo por pensar assim!
Sinto nojo de mim por ter um orgulho fugidio quando o assunto és tu. Parece que ele se esconde. Parece que se abaixa para te deixar passar por cima de mim. Parece que gosta de se mostrar naqueles momentos em que te faço mal e, por isso, sinto nojo de mim. Mete-me nojo o meu orgulho. Mete-me nojo o meu orgulho pela forma como me rebaixa perante mim e te magoa a ti. Desgosta-me gostar tanto de ti. Desgosta-me pensar e sentir assim.
Metes-me nojo por pensares assim. Pensar como tu pensas, ver as coisas como tu vês, mete-me nojo… Pura e simplesmente, mete-me nojo. Mete-me nojo a maneira como inclinas a cabeça. Parece que nada do que te digo está certo ou, às vezes, parece que estará certo demais. Mete-me nojo não estar certo. Mete-me ainda mais estar. Enjoa-me querer-te e enjoa-me não te querer. Sinto insuportável esta confusão.
É seguro que não estamos apaixonados… Isso faz-me sentir o que já sabemos mas, por dentro, o sentimento é tão de compaixão, tão à mesma de desejo, tão pouco do género fazer tudo à volta brilhar que não pode deixar de me desgostar, de me enojar. Essa é a realidade que não precisa de ser imaginada.
No fundo… tudo me mete nojo. Mete-me nojo amar-te. Mete-me nojo achar que tudo acabou. Mete-me nojo pensar em recomeçar. Mete-me nojo o meu orgulho, o teu pensamento, as minhas maneiras, as tuas maneiras. Mete-me nojo a nossa amizade. Mete-me nojo aquilo em que ela se fundamenta, que, porventura, será no nojo.
Porque é não há o nosso mundo?

José Pedro Cadima

quarta-feira, outubro 01, 2008

Lamento ter-te desapontado...

"Lamento ter-te desapontado. Eu sabia que esse era um risco sério. Não é que eu não goste de doces, mas gosto apenas de alguns. De ti, por exemplo."

José Cadima