segunda-feira, setembro 29, 2008

“Pensamentos dispersos” - III

“5. Em tantos anos de corridas e correrias, não espanta que o cenário, quer dizer, o enquadramento da pista, tenha sofrido significa transformação. Preocupa-nos, obviamente, termos passado a circular entre torres e mamarrachos quando antes nos comprazíamos com a pacatez bucólica do lugar. Uma coisa não se alterou, no entanto: a falta de civismo de muitos dos condutores com que nos cruzamos e dos excursionistas cujo restolho fica a aguardar a passagem caridosa dos serviços de limpeza da cidade. O único elemento de conforto que daí se pode retirar advém da pouca diferença que neste campo se nota entre o presente e uma década atrás.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/03/16, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

sábado, setembro 27, 2008

Minha querida Helena

Obrigado pela tua preocupação e pelas tuas mensagens. Já estou por Braga. Tirando a madrugada que fiz, não tenho nada de especial a assinalar. Conforme era minha expectativa, foi uma relativa perda de tempo, a deslocação, digo. Nunca mais aprendo a não me meter em coisas em que não acredito.
Continuas com mensagens enigmáticas. Não sei se deva alegrar-me ou ficar assustado. Que tens uma imaginação muito fértil, disso já não tenho dúvidas. Quero entretanto prevenir-te que, embora em recuperação, ainda me sinto bastante abalado. Não sei mesmo quando recuperarei a forma, se alguma vez o vier a conseguir.
Retomando a tua mensagem precedente, quero esclarecer que eu não duvido do que tu me dizes. Acho é embaraçoso muito do que me dizes. Evita, portanto, dizer algumas coisas menos próprias de serem-me endereçadas. Não há dúvida que tu sabes ser simpática. Só a esta luz me parece fazerem sentido as palavras que me fizeste chegar.
Fico mais descansado sabendo que estás pouco ranhosa. Mais confortável fico, ainda, por me dizeres que não fui eu que te pus ranhosa. Espero bem que seja verdade. Mesmo assim, por favor, diz-me se há algo em que posso ajudar-te, aparte oferecer-te o meu carinho e solidariedade.
Desejo-te uma tarde cheia de festa. Não abuses no baile, no entanto. Faz-me raiva a ideia de andares por aí a roçar-te nalgum desconhecido ou num teu bem conhecido.
Um beijo grande,

José Cadima

sexta-feira, setembro 26, 2008

“Pensamentos dispersos" - II

“3. Animados pelo fervor clubista, os meus parceiros de atletismo não deixam de amiúde reportar-se às aventuras e desventuras do seu F.C. Porto. Para desespero meu, tarda já o enterro desportivo do Sr. Pinto da Costa. Retiro disso um exemplo de que a mediocridade nem sempre é mal passageiro, sobretudo quando bem alimentado por árbitros corruptos e jogos de interesse inconfessáveis. Os últimos resultados obtidos pela equipa na taça de Portugal, em confronto com equipas da sua igualha, isto é, da 2ª divisão e da divisão de honra, fazem-me alimentar a esperança de que este estado de coisas não se eternize.
4. A saída, providencial, dos jornais semanários às Sextas e Sábados fornece-nos excelentes motivos de conversa. Comentam-se as desgraças do Sr. Do Porto, o Dr. Fernando Gomes, as desventuras do PSD à procura de novo «líder», os percalços da política à portuguesa e as desventuras da Rute, apanhada pela bófia com a boca na botija. Num destes fins-de-semana derradeiros, o motivo de conversa foi o governo, assemelhado a uma donzela excitada mas, por motivos óbvios, mal preparada para a brincadeira. O pior é que, a continuarmos assim, quem sai primeiro lixado são os portugueses, incluindo os que não fizeram opção pela rosa.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/03/16, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

quarta-feira, setembro 24, 2008

“Pensamentos dispersos”

“1. Vai para uns anos que realizo regularmente a minha corrida dominical na companhia de uns amigos. Nesse tempo, pude assistir e comentar a ascensão e queda do Prof. Cavaco Silva. É nossa esperança que possamos acompanhar o ocaso do Engº. Guterres; a avaliar pela gestão dos seus primeiros 100 dias, talvez nem seja preciso esperar assim tanto tempo.
2. Tomando embora expressão menor nas nossas conversas, a figura do Dr. Mário Soares não deixou igualmente de ser invocada. Curioso é que, tendo começado por dividir opiniões, hoje esta figura política nacional faz consenso pleno no grupo: foi um péssimo primeiro-ministro e um presidente meia-tijela; persiste sendo um campeão do passeio, e a falta de bom senso do próprio e dos muitos cultores de personalidade que compõem o universo político português estão em vias de transformá-lo num pavão em idade de reforma.”

J. C.
(reprodução parcial de crónica do autor identificado publicada no jornal Notícias do Minho de 96/03/16, em coluna regular genericamente intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, setembro 21, 2008

Crianças no Cinema

O rapaz esperava sentado nas escadas, um pouco impaciente. A rapariga tinha ido à casa de banho. O rapaz olhava tudo, até as outras raparigas que passavam. Aproveitava ou tentava aproveitar este pequeno tempo de liberdade, mas não conseguia. Queria a sua apaixonada. Que ela voltasse depressa. Por isso mesmo tinha comprado bilhetes para o cinema, para a ter bem próxima de si.
A rapariga, na casa de banha, estava nervosa vá-se lá saber porquê! Desde sempre, esta adorável menina tinha exprimia nervosismo por tudo e por nada. Até houve um ano em que, sem querer, pisou e matou um lagarto ou, pelo menos, assim pensou, pois tinha-lhe saído e cauda (quando esta parou de mexer, a menina havia chorado copiosamente). Agora, na casa de banho, ela apenas pintava os olhos e via-se ao espelho, para estar mais apresentável.
Nunca tinha ido ao cinema com um namorado. Era o seu primeiro namoro “a sério”, porque este tinha beijo com sabor. A nenhum dos outros tinha ela dado um beijo com a língua. Apenas a este namorado, e agora iam para o cinema ficar umas horas aos beijos. Não era por acaso que tinha sido escolhido o filme com mais tempo que estava em exibição.
A rapariga aproximou-se do rapaz e estendeu-lhe a mão para ele a ver. Este, estava concentrado a ler os resumos dos filmes numa pequena brochura mas, ao ver a mão da sua amada, rapidamente lhe deu a mão e se levantou, engoliu em seco e esticou-se devagar para lhe dar um beijo. Um toque de lábios, apenas. A língua? Essa guardá-la-ia para depois.
Entraram de mãos dadas. A sala estava escura e grande. Tinha pouca gente. Isto sim era cinema, para eles. Sentiam arrepios na espinha, estavam nervosos mas desejavam-se e, degrau a degrau, desceram a sala de cinema até dois terços dela. Sentaram-se num canto da fila para não darem tanto nas vistas e esperaram…Ainda davam os anúncios e nem o rapaz nem a rapariga eram capazes de abrir a boca e agir naturalmente. Parece que para ambos era a primeira vez que acontecia tal experiência…
O filme começou, as primeiras imagens de filme começaram a aparecer: o director, o produtor, os actores mais importantes, e, por detrás, surgiam as imagens do início do enredo. Era sobre um mundo mágico, sobre amor e harmonia. Eles não haviam escolhido o filme por isto mas sim devido à duração. Seria isso ironia? Talvez, mas os jovens não prestaram atenção ao filme e ele, que estava mais impaciente que nervoso, fazendo contraste com ela que estava mais nervosa que impaciente, deu-lhe um beijo, um magnífico e sedutor beijo.
A rapariga, que não estava preparada, abriu a boca rapidamente, num acto quase de quem se propunha trincar algo, mas este contraste não durou muito. Logo após, a sincronia pareceu perfeita. Beijo atrás de beijo, eles foram cumprindo o que o destino lhes reservara para aquele lugar. Beijarem-se, beijarem-se, beijarem-se … As mãos do rapaz, que eram mais curiosas do que a sua língua, que apenas se mantinha na boca da rapariga, procuraram o resto do corpo da sua apaixonado e, com um puxão na perna dela, fizeram com ela ficasse com a mesma em cima do colo dele. Os Beijos não paravam. As mãos dela ganharam vida pouco depois, mas eram muito menos curiosas que as dele: apenas lhe amarraram o cabelo, puxando-o para ela.
Num certo momento, as portas abriram-se e a música passou a ser outra que não a do genérico do filme… Eles pararam… Olhavam-se apaixonadamente. Nunca tinham sido tanto um do outro… Dentro deles gritava-se a palavra amor.
Quando, mais velhos… Não… Não se casaram, nem se lembravam deste momento. Apenas se lembravam das zangas que tiveram. Do amor não… porque isso… Isso é só nos filmes…

José Pedro Cadima
(excerto de texto intitulado “Ano de abertura”)

quinta-feira, setembro 18, 2008

Como ganhar o teu amor (2)

Tu de mim não vais fugir!
Não tens como escapar!
Nem que tenha que te dedicar
um poema a cada segundo,
vou escrevê-los até que desistas,
até que te rendas a mim.
Não vou desistir enquanto não te entregues,
pois o amor é um campo de batalha
e os poemas são os canhões que tenho ao meu alcance.
Sei que com eles vou deitar as tuas defesas por terra
e, ao fim do dia, por altura do pôr do sol,
terei tomado o castelo que é o teu coração
e, então, serei o teu eterno amor.

José Pedro Cadima

terça-feira, setembro 16, 2008

Amor

...Há dois meses que pergunto a mim própria,
a cada instante,
se tanta felicidade não será um sonho.
Parece-me que o que sinto,
não é deste mundo.
Este céu sem nuvens
quando estou contigo.

C.P.

(adaptado de Victor Hugo)

domingo, setembro 14, 2008

A Bela Adormecida

À nascença, são-nos concedidos dons e defeitos, somos marcados para certos acontecimentos mas, por vezes, somos apenas marcados. Todo um reino pode sucumbir ao destino de uma só pessoa. Todo um mundo pode chorar pelos feitos de um só homem…

No dia de maior calor, ela subiu a uma torre. Não sabia o que procurava. Não sabia porque ali estava, mas estava traçado que assim fosse. Ela estava marcada…
Era o fuso de uma roca que a esperava. Uma roca espiral, da melhor madeira que se podia encontrar. Tão poderoso que até na morte poderia mandar. Não mandou, já que alguém tinha marcado algo por cima. Já outro destino tinha sido imposto!
Menina curiosa, sempre com a vontade de em tudo tocar, picou-se na roca, que a fez desmaiar; tudo muito mágico mas, mesmo assim, adormecendo um reino e selando um destino.

Experimentou um sentimento estranho, trazendo todas as cores e todas as formas, cheio de arestas mas parecido com uma esfera. Sim, por momentos ela viu a confusão… Abriu-se uma porta, uma comporta, uma escotilha. Estava confusa. Era uma passagem qualquer, era uma entrada que só ela podia penetrar. Era a eternidade. Ela não sabia disso… A curiosidade nem sempre traz informação…
A curiosidade já a tinha levado até ali. Podia levá-la muito mais longe. Como um insecto atrás de uma luz ou outro ser em busca de um objecto brilhante, ela mergulhou. Mergulhou sem saber para o quê, mas mergulhou. A curiosidade não precisa de causa! Mergulhou com toda a determinação e com quanta intensidade pôde. Não sabia de que se tratava, mas mergulhou.

E ainda hoje a Bela Adormecida se encontra no mais profundo sono à espera que um príncipe lhe dê o beijo que a faça acordar.

José Pedro Cadima

sexta-feira, setembro 12, 2008

Agradecer-te

À tua espera
Penso em ti, em nós…
No amor simples que me tens dedicado
A que não estou habituada
No carinho que me ofereces
E que eu tento retribuir
No significado da canção You get what you give
Que ouço pensando em ti, em nós…
Não podemos abdicar daquilo em que acreditamos
Don't give up
You've got a reason to live
You can not forget
You only get what you give
Finalmente, agora
Tenho algo importante porque lutar
A good reason to live
Obrigada, meu amor
Pelo que me fazes sentir
I got the music in me
The reason to live
O amor está aí a chegar
Esperas-me lá fora
You're a good reason to live

C.P.

(cito, em itálico, versos de uma música dos New radicals, de que gosto muito)

quarta-feira, setembro 10, 2008

Minha querida

Às vezes vem ter comigo uma vontade louca de estar contigo, mas tal acontece mais quando realmente já estou. Penso que deve ser pelo óbvio da situação. Felizmente, a vontade que tenho de matar toda essa ansiedade leva-me a que me controle.
Apetece-me estar contigo. Apetece-me estar com os meus amigos. Às vezes, parece que não posso estar com ambos. Por vezes, penso em todos aqueles com quem poderia sair, pondo-me a eliminar um a um por motivo de repetição. Sobras tu, o sentimento perdido.
Não escrevi nada nos primeiros dias em que estive contigo. Ou melhor: não te escrevi destas cartas; sim, destas cartas que, se calhar, nunca irás ler. Mas escrevi dois textos: um sobre o quanto te queria, pois é mesmo disso que falo no texto, isto é, sobre um momento nosso e, depois, sobre um desejo meu; o outro é acerca de escolhas; falo de tudo metaforicamente mas, com atenção, vê-se que é de escolhas que realmente falo. Acabarei por te dar a ler esses dois textos, mas estas cartas talvez sim, talvez não.
Resolvi este ano ser mais verdadeiro, mais do que era. Impossível? Não. Vais ver-me ser desagradável. Não gosto de mensagens subliminares. Se queres dizer algo, di-lo logo. Ainda hoje não me querias ter contigo. Perguntei-te se querias que me fosse. Disseste que não e, apenas uns minutos depois, reconsideraste. Peço-te: não voltes a fazê-lo. (Pena é que não estejas a ler isto).
Não me importo de me afastar. Realmente, tu precisas de espaço. Tanto quiseste que to preenchesse que a certa altura já só querias que me fosse. Mas foste-te tu.
Estou confuso, conforme se pode perceber. Tudo cá dentro é uma confusão: o querer estar contigo; o controlar a ansiedade; o ser desagradável quando a tua resposta não é favorável, apesar de, para o ser, ter talvez de ser a que menos me favorece. Quero a verdade!
Quero estar contigo, quero ter-te mas, de certa forma, já te tenho. Já te tenho nos meus braços, nas minhas palavras, nos meus mimos. És tu e só tu. Mas a minha mente, o meu sentimento também se afasta e, quando estou longe, não sinto a mesma saudade. Sinto, apenas, o mesmo ciúme. Estou confuso…
Um beijo,

Braga, 19 de Setembro de 2006
.
José Pedro Cadima

terça-feira, setembro 09, 2008

Dá-me algo (memória)

Dá-me algo que amar.
Dá-me o teu corpo
e, com ele, a tua alma.
Dá-me algo
que vá ao encontro
da minha ânsia profunda,
algo que juntos possamos conceber.

José Pedro Cadima

domingo, setembro 07, 2008

Tocar-te (me)

Quando te toco
O mundo não existe
Existimos nós…
Simplesmente tu e eu
O mundo continua lá fora
Alucinante como sempre
Perguntas-me as horas
Não as sei dizer-te
Adivinho-as, ainda tonta de te amar
Toco-te mais profundamente
Indiferente ao passar do tempo
Ao mundo de lá de fora
Que não se interessa por nós
Deslizas os teus dedos
Deixo tocar-me
Sinto-me tua e
Sinto-te meu
Simplesmente tu e eu
O mundo…
Esse pode continuar lá fora…

C.P.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Tu

Senti-me mal. Pensei até chorar. Não era capaz: tinha aprendido a não o fazer.
Decidi tomar um banho. A água morna acalmou-me. Relaxou-me cada músculo anteriormente preparado para rebentar. Mas não chegava.
Fui à casa de banho buscar um pente. O pente deslizou-me sobre os cabelos encaracolados. Arrancou montes deles.
Penteei o cabelo para à frente, para me tapar os olhos. Aos poucos, as pontas encaracolaram-se para cima e deixaram ver a minha cara novamente.
Continuo sob pressão. Se não gritar, reterei tudo dentro de mim. Se gritar, serei egoísta.
Decidi masturbar-me. Não tenho vontade, não tenho desejo. Apenas quero libertar a tensão.

José Pedro Cadima

quarta-feira, setembro 03, 2008

Eu não sei…

De repente, nada parece certo.
De repente, tudo faz sentido:
o meu desespero,
a minha angústia,
a minha busca, tu.
Resposta?
Talvez!

Certeza, só tenho a que me aportas.
Segurança, só me resta a que tu me dás,
mas quase nunca fora do teu regaço.
Talvez amanhã ou num futuro mais largo
saberei recuperar a crença
que esta luta sem esperança
faz sentido,
que esta batalha que travo
pode devolver-me o sorriso perdido.

Sorriso?
Para já, só o recupero quando, no teu regaço,
me reencontro.
Apenas só o tempo do teu regaço.
Fugaz que é, vale a pena.
O teu regaço é um sortilégio:
a minha angústia sai diminuída;
a minha busca cessa.
Tu fazes sentido!
Eu? Não sei!
Eu não sei…

José Cadima