terça-feira, abril 29, 2008

O que deixaste à porta

Se bem o deixaste à porta
escusado é voltar atrás.
Não está lá
nem pensa em depressa voltar.

Em retorno, desejo-te do coração
que não se alongue teu caminho.
Ficarias abandonado neste mundo,
outra vez.

Hás-de iludir-te
para a esperança procurar,
que também lá atrás ficou
pedindo ao bem que te espere.

Aqui, espera-te o mal,
carregando ironia vida adiante,
sempre erguido e com mãos largas,
alardeando alegria a tua expensas.

José Pedro Cadima

sábado, abril 26, 2008

Raiva

Há raiva que nada faz
e me deixa sempre em guerra.
Tropeço num vazo que caiu
do alto dos meios receios.
Pior era ter por lá ficado!

A gravidade é forte
e traz tudo para os nossos pés,
excepto os problemas.
Esses teimam em manter-se lá no alto,
ameaçando-nos a tranquilidade,
quando não alimentando-nos a raiva.

José Pedro Cadima

sexta-feira, abril 25, 2008

Escrito no preto

Escrito no preto
para não se ver;
escrito no preto
para não se perceber;
escrito no preto,
por mim;
escrito no preto,
para ti;
escrito no preto
para ser esquecido;
escrito no preto
para nunca tu dizer.
Que sentimento estranho
este de, ao mesmo tempo,
querer apagar-te da memória
e desejar correr para os teus braços!

José Pedro Cadima

terça-feira, abril 22, 2008

Um sitio distante de mim

Desejaria partir
em busca de isolamento
num lugar bem longe daqui,
num sítio distante de mim,
onde pudesse encontrar
as resposta que me faltam,
no relativismo absoluto
dos teus e dos meus sentimentos.

Nem em tudo eu meto sentimentos.
Eles é que se metem em mim!
Queria encontrar resposta para problema assim.

José Pedro Cadima

sábado, abril 19, 2008

E se eu morresse agora?

Já pensaste: e se eu morresse agora?
Virias à minha campa chorar?
Rezarias pela minha alma penada?
Acharias alguém para te amar como eu te amo?
Não! Não penses nisso.
Terás assuntos mais interessantes em que pensar
e, eu morrendo ou não morrendo,
não te faltarão homens a quem amar.
Menos seguro será encontrares alguém
que te venha a amar tanto quanto eu.
Não, não rezes por mim.
Não, não irás encontrar alguém
que te venha a amar mais intensamente que eu,
mas talvez possas achar alguém que te faça mais feliz
do que eu consegui que fosses comigo.

José Pedro Cadima

quinta-feira, abril 17, 2008

Lá fora

Olhas o quê, à janela?
Olha antes para mim.
Não repares na gente lá fora.

Fazem-nos mal, sabias?
Muito mal:
limam as arestas dos nossos erros;
lembram-nos desgraças
num nunca mais acabar.

Dá-me a mão!
Junta-te a mim!
Só abraçando-te sou capaz de afastar
o frio que vem lá de fora.

Não olhes quem vai lá fora.
Olha-me a mim.
Aqui também há
gente carente de afecto.

José Pedro Cadima

terça-feira, abril 15, 2008

Minha Querida Helena

Se há dias em que não devemos sair de casa, este foi para mim um deles. Só que tudo começou por correr mal em casa, do “periférico” do computador que avaria e que não parece ser possível adquirir em lado algum ao correio electrónico que se revela difícil de visualizar. Para terminar em desgraça completa, até o presente acabado de adquirir veio com defeito. Como saldo do dia, ficou cansaço e irritação e uma mão cheia de nada, se se considerar o trabalho que estava por fazer e o que efectivamente foi feito.
Em consonância com o demais, pelo telefone soube que te sentias doente, o que não se tratando de novidade, infelizmente, também em nada ajudou ao meu dia. Vou ficar a aguardar com ansiedade o dia em que me digas exactamente o oposto, isto é, que te sentes em boa forma e nada te apetece mais que sair à rua e deixar passar para quantos se cruzem contigo a alegria que se te estampa nos olhos e se percebe na leveza dos teus gestos.
Dentro do expectável, a deslocação a Lisboa até nem correu mal: uma noite calma no hotel, quer dizer, razoavelmente dormida; uma reunião com alguns pontos de interesse, sublinhada por duas intervenções na discussão dos dossiês em agenda que não deslustraram; uma viagem de combóio serena e no horário, na ida e no regresso; a comodidade dos novos comboios que circulam na linha renovada Braga-Lisboa (mais renovada em Braga que em Lisboa). Para ser melhor, bem melhor, teria que se ter concretizado a tua “promessa” de me acompanhares. Mas a “promessa”, desgraçadamente, não passou disso, de promessa. Fica para a próxima, não é minha querida?
Pela minha parte, não me esquecerei de te dirigir novamente o convite na vizinha oportunidade, e na oportunidade vizinha da vizinha e nas ocasiões seguintes, até que te canses de recusar os meus convites e decidas aceitar um.

Braga, 16 de Outubro de 2004

José Cadima

domingo, abril 13, 2008

Memória de uma data especial


Decidi publicar esta foto para comemorar uma ocasião muito especial.

Peço desculpa por ser parco nas palavras mas estou sem tempo.

"Ai achado!
Meu coração-agulha, qual bússola,
aponta para ti."

José Pedro Cadima

sábado, abril 12, 2008

De mãos dadas

De mãos dadas,
a noite nunca é fria.
As nossas almas
afastam qualquer frialdade.

O sentimento, o amor
são energias fortíssimas,
capazes de gerar calor
tanto mais intenso quanto o sejam os laços
que nos ligam.

O contacto, a proximidade
geram troca de energia e estimulam mais trocas
e a geração de mais calor.
Fria que pareça a noite,
parecer-nos-á sempre amena
se a cruzarmos entrelaçados.

José Pedro Cadima

quinta-feira, abril 10, 2008

Desenfastiando: “what else”?

Um dia depois de ter passado por Braga e na véspera de rumar às terras geladas da Sibéria, Alexandre Sousa, professor da Universidade de Aveiro e desinquietador de espíritos, perguntava-nos, e perguntava-nos bem (mal), “what else?”. Isso queríamos nós saber! É que os rumos do Ensino Superior Nacional são difíceis de descortinar, guiados por timoneiros tão temerários quanto o são os que temos tido, a começar pelo Zé Mariano, que antes foi Gago e só perdeu quando começou a abusar da palavra ganha.
“Como é que tu és a favor do RJIES?”, perguntava-lhe outro marinheiro. Mas como é que se pode ser marinheiro e, ao mesmo tempo, gostar de águas paradas? Escolhido que tenha sido ser-se marinheiro, há que marear nas águas que o mar traga, que nunca hão-de ser paradas e, muito menos, estagnadas. A escolha é ser-se marinheiro.
Feitos ao mar, pode-se ir a Bolonha? Pois concerteza, mas a Bolonha que se queria era bem condimentada, não esta piza sensaborona que nos calhou. Habilitado com o seu curso intensivo de marketing e imagem, o Zé Mariano nunca mais quis saber o que quer que fosse da qualidade da massa e dos ingredientes. Basta-lhe que a piza pareça luzidia, e se se pouparem uns cobres para ajudar as “reformas” de Sócrates e os coitados dos americanos tanto melhor. Foi assim que Barroso chegou a presidente da Europa e o Zé Mariano não é menos que ele, a não ser talvez no empenho com que Barroso abraçou a militância MRPPista doutros tempos.
E a bisca lambida? Essa é para ser lambida nos senados trazidos pelo RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) que, fazendo de conta, hão-de aplaudir esta Bolonha e todas quantas os senhores do marketing e da propaganda mandarem lamber, a bem das “reformas”. E se forem muitos, mais biscas lambem. Desde que possam preservar a sua parcela de protagonismo, porque não? A pequena dificuldade que subsiste é que pode restar só o papel de bobo da corte.
Tal qual George Clooney”, dizia-nos Alexandre Sousa, “também eu apareço sempre que posso em anúncios de vacas leiteiras". Pudera! Podendo escolher entre vacas leiteiras e vacas escanzeladas ou esbeltas (como lhes chamava um colega mais imaginativo, vai para pouco menos de uma dezena e meia de anos), quem não fica com as leiteiras. E então agora que o leite está caro. Não é por isso que deixa de haver utopias realizáveis. É preciso é batalhar mais por elas. Bolonha é já ali! Os americanos hão-de se envergonhar desta sopa dos pobres e quando isso acontecer restará ao Zé Mariano fazer outro curso intensivo de marketing e propaganda ou pedir ajuda a Barroso, para que lhe arranje um lugar de chefe de gabinete em Bruxelas. Não seria o primeiro e Barroso já não é o Durão que em tempos foi.
O processo em curso nas universidades e politécnicos não é, nem tem de ser, pacífico. “Processos pacíficos são aqueles que defrontamos com o Ministério da Finanças quando não pagamos o IRS”, retorquia Alexandre Sousa, outra vez. É entretanto diferente haver visões diferentes da universidade (e do politécnico) e uns quantos apresentarem-se como senhores do destino das Instituições de Ensino Superior (IES), para mais, conhecendo nós “a verdade” de que são mensageiros.
Como digo, o problema não são as leituras diversas que se façam das IES e dos caminhos a trilhar. Penoso é, isso sim, constatar o "estado gripal do (des)ensino superior", na caracterização de Vasco Eiriz, professor da EEG/Universidade do Minho, citando alguém que não importa trazer para aqui. Penoso é que haja professores a fazer xixi na tampa da sanita. Penoso é que em reuniões dos órgãos académicos herdados do anterior ordenamento jurídico, a grande maioria dos professores universitários mantenha um silêncio estrondoso em relação a tudo que tenha menos natureza de gestão corrente, porque têm medo.
Face ao beco sem saída do presente, qualquer debate só pode resultar rico, por mais caótico que pareça, desde que exista. Que se dane o Zé Mariano, que, ironicamente, até pode ser louvado por tê-lo provocado, e que se dane o Augustus. Que se dane o Augustus, que ainda por cima é daltónico e viu bandeiras vermelhas onde só havia lenços brancos. Se as vacas são escanzeladas, porque há-de o académico fingir que as achas gordas e leiteiras? Deve achá-lo só porque lhe matraqueiam quotidianamente o espírito com discursos da reforma, e das maravilhas que lhe hão-de chegar de Bolonha?
Vivam as vacas leiteiras! Viva a bisca lambida!
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de 08/04/10 do Jornal de Leiria)

terça-feira, abril 08, 2008

Um lugar neste Universo

Somam-se as energias no Universo.
São elas a força que nos une.
A conexão pessoa-lugar-tempo
que nos move
dá sentido à forma,
define-nos a identidade.

Busca-se uma pessoa:
és tu!
Procura-se um lugar:
és tu!
Questiona-se a ocasião:
és tu!
Tu és sempre o meu eu.

José Pedro Cadima

domingo, abril 06, 2008

Conselho a um artista

Qualquer artista que se preze
a extrema miséria deve visar.
A extrema felicidade, aparte inalcançável,
seria indicador seguro
de que nunca veria publicamente reconhecida
a valia da sua obra,
e um meio-termo deixaria o seu trabalho incompleto.

Claro que é o critério
para atingir o reconhecimento público,
facilitada está a vida de qualquer artista
que vise ir além da mediania:
resta-lhe prosseguir arduamente
o caminho da miséria material.
Terá assegurado um grandioso funeral.

José Pedro Cadima

quinta-feira, abril 03, 2008

Minha Querida Helena

Nestes altos e baixos de ânimo, por razões próximas que não sou capaz de descortinar, retorno ao ponto mais baixo do ciclo. É o ânimo e é o cansaço, que em mim se apresentam associados. Se a semana decorresse mais intensa em matéria de solicitações de trabalho, não haveria espaço para estes sinais exteriores de debilidade, isto é, teriam que aguardar oportunidade. As coisas são entretanto como são e, por assim ser, volto ao estado de agonia na sua dimensão mais embaraçosa.
Não ligo esta ressaca aos telefonemas (dois) recentes que me fizeste, nem à visita que te fiz. Não digo que não me tenham afectado mas, se concorrem para este meu momento psicológico, fá-lo-ão em adição de razões mais profundas. Aliás, hoje não me telefonaste, embora eu mantivesse a expectativa que o fizesses. Porventura o questionário com que me brindaste ontem ficou então preenchido, pelo que não permanecia justificação para contacto posterior. Tens que conceder, no entanto, que a interrupção abrupta da ligação (por força do esgotamento das moedas) não permitiu que me desses conta do sucesso ou insucesso das respostas.
Neste interregno de comunicação, fui processando os dados que me havias feito chegar. Desses, talvez te surpreenda que o que me mereceu maior ponderação tenha sido o que se exprime na circunstância de me teres visto movimentar em Braga, sendo seguro que eu não te vi. Não mereceria atenção particular não fora a coincidência de tal se ter passado de modo idêntico em diversas outras ocasiões, a crer nas tuas alegações. E, confesso-te: gostaria de te ter visto desta e das outras vezes, particularmente desta vez.
Não te vi - disso não me resta dúvida – e não entendo como pudeste tu ver-me sem que eu te visse. A verdade é que, se a minha vista não é o que já foi, a tua não me parece em melhor estado. Tu mesma o dizes. Resulta então, daqui, um mistério. O mistério adensa-se quando eu sou visto por “A” ou por “B”, acompanhado, neste e naquele sítio, mesmo que não o tenha frequentado em período recente ou lá tenha estado sozinho. Tens que admitir que estes são dados fortes o bastante para me prenderem a atenção. Tanto mais quanto me sabes um cultor da ficção científica e um adepto confesso dos efeitos especiais. Aliás, como costumo afirmar, para ensaio sobre as misérias do quotidiano basta o próprio quotidiano. Disso fazem espectáculo diário os media.
Eis, Helena querida, um retrato do meu estar psicológico. Será bastante fidedigno já que o que está escrito antes foi-o ao sabor do pensamento livre (outros diriam, ao sabor da pena), não antecipando este final de divã de psiquiatra. É bom que assim seja para que o retrato surja bem autêntico, sem maquilhagem e sem acerto de cabelo. Perante ti posso expor-me despido, segundo creio.
Não tenho conselhos para dar ao psiquiatra. Também não lhos peço. De ti também não os pretendo receber. Se fossem beijos...

Braga, 9 de Setembro de 2004

José Cadima

Ps: correndo o risco de ser acusado de uma súbita simpatia pelo Ps. (com um pontinho em vez de dois pontos – o “s” pequeno é para simbolizar o estado em que está o socialismo), que declaro não ter qualquer fundamento, sou obrigado a recorrer outra vez a esta figura para reparar os efeitos de uma gralha que pousou sobre a data da carta de ontem, fazendo aparecer um seis onde, em verdade, estava um oito. Embora a culpa seja toda da gralha, por uma questão de afinidade com aquela, venho assumir a responsabilidade do erro.

quarta-feira, abril 02, 2008

O mundo

Desço docemente, fazendo festas ao mundo,
não vá ele enfurecer-se.
Pressinto-o zangado,
deixando-me descrente de que tenhamos futuro.

Puxo das minhas forças e da coragem que me resta
e olho-o nos olhos.
Tento dizer-lhe que ele está no centro das minhas preocupações.
Procuro dar-lhe expressão do meu empenho
e falar-lhe de carinho.

Vejo-o rosnar, primeiro, sacudir-se, depois,
e aquietar-se, de seguida.
Questiono-me se acreditou no que lhe disse.
Deixou-me seguir o meu caminho.

José Pedro Cadima