terça-feira, janeiro 29, 2008

“Farpas que doem”

“Como vem sendo habitual, reuni clandestinamente, há dias, com o director do jornal para avaliar os estragos produzidos pelas últimas crónicas saídas a público. Os cerca de trezentos convivas que nos rodeavam na altura forneceram-nos o enquadramento para que o encontro decorresse com a indispensável discrição.
Tomei então conhecimento, para meu espanto, que a análise recente que produziu maior impacto terá sido uma que se reportava ao percurso de um certo professor universitário, não nomeado, relativamente ao qual exprimia o meu temor de ver atingido pelo «raio da política».
A razão de ser do meu espanto é proporcional ao número de docentes da U.M. (vulgo, Universidade do Minho) que se sentiram incomodados pelo teor do artigo, que tinha destinatário singular, e tão mal disfarçado que até o director do jornal o identificou de uma penada.
É razão para ficarmos preocupados, eu e os leitores: então não é que já não sobra espaço a ninguém para ser ele próprio, seguir o seu destino individual, único! Parece até que nos movemos na selva que são os negócios, em que cada um só se interessa pelas boas ideias dos outros para lhas roubar à primeira distracção.
E há quem se espante que o povo exclame amiúde: «Valha-nos Deus e o Senhor dos Aflitos!». Então se, como digo, até entre as elites ilustradas grassa a cobiça do alheio…!?
Depois da informação que me chegou, temo até por esta minha singela coluna: assiste-me o receio que algum dia apareça qualquer candidato a analista disposto a pagar mais que eu e ficar-me com o magro espaço de jornal que o ilustre director me dispensa. Agora começo a entender bem melhor o sentido da preocupação que vi expressa há uns tempos de, num futuro próximo, só virmos a poder cruzar a rua com as costas voltadas para as paredes.”


J. C.

(reprodução integral de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 95/08/26, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, janeiro 27, 2008

Porque me sinto assim?

Porquê esta angústia
que não me abandona?
Porque me sinto assim,
inseguro, perdido?
Seguramente, por causa do amor.
Mas não serei eu cobarde
por culpar o amor?
Culpar o amor já todo o poeta culpou.
Não devo, antes, culpar-me a mim
por esperar do amor
algo que ele não pode dar-me?
Aconchego. Serenidade.
Porque me sinto assim?

José Pedro Cadima

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Estranho

Algo feliz para variar?
Nem pensar!
É... Não é... Não foi… Foi…
Nunca aconteceu…
Não sei o que hei-de pensar.
Festejar? Lamentar?
Só sei que te quero.
Só estou seguro de quanto sinto a tua falta.

É estranho
o que acontece entre nós.
Estranho, mas... Muito estranho.
Viva o estranho e o absurdo,
pois são eles que me trazem alguma felicidade,
de quando em quando.

José Pedro Cadima

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Proibi-me de te amar

Sei que não devo alimentar a esperança
de alcançar o teu amor,
mas queres proibir-me de sonhar?
Sei que o teu pensamento
tem vagueado por outras paragens,
mas queres também proibir-me de desejar
que os teus olhos se cruzem com os meus?
Não podes!
Eu próprio me proibi de te amar
e nada consegui.

José Pedro Cadima

domingo, janeiro 20, 2008

Chora no meu ombro

Chora! Chora no meu ombro.
Chora no meu ombro, por favor!
Sou incapaz de ver-te chorar
sem nada fazer.
Sou incapaz de ignorar teu choro.
Diz-me o que te vai na alma!
Diz-me como posso acabar com teu choro.
Toma o meu ombro para teu amparo
ou recolhe-te nos meus braços!
Chora! Chora se isso te permitir afugentar
teus fantasmas.
Chora! Chora, meu amor,
mas deixa-me chorar contigo.

José Pedro Cadima

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Minha Querida Helena

Venho agora mesmo de te ligar. Tinha uma razoável expectativa de poder estar contigo esta tarde e matar saudades de um beijo mais demorado. Tinhas-me dito ontem para te telefonar pelo fim da manhã. Foi essa circunstância que alimentou a esperança de que te falo. Infelizmente, tinhas-te esquecido do telefonema e, presumo, da oportunidade de, num horizonte de 10 dias a contar de hoje, trocarmos um abraço apertado e, porventura, um beijo mais demorado...

Foi pena, meu amor. Foi pena porque esse beijo faz-me uma falta imensa: aquece-me o corpo e dá-me energia para os dias que se sucedem ... até ao próximo beijo. Privado desse beijo, desfalecem-me a alma e o corpo, e o frio toma conta dele. Ficar sem ti significa ficar sem defesas.

Perdido, acantono-me no meu estúdio, fecho-me na minha concha tendo por companhia a música que me chega do rádio ou do CD que roda, os ruídos abafados provenientes da rua ou dos apartamentos vizinhos, o computador com que desabafo ... e uma imensa saudade de ti.

Nesta familiaridade com o meu computador – que herdei do meu filho mais velho por já lhe ser inútil de desactualizado nas funcionalidades e memória – nem parece termos travado contacto há tão pouco tempo: num quadro de absoluta urgência, comecei por digitar umas mensagens de correio electrónico há cerca de 23 meses. Não é que fossemos de todo desconhecidos até então: cruzámo-nos amiúde antes, desde há quase vinte anos, mas as circunstâncias não nos tinham ditado uma relação táctil até esse momento que refiro. A verdade é que não foi necessário muito tempo para que nos identificássemos como se nos houvéssemos conhecido desde o berço, tal como tu e eu, minha querida. Assim, quando me faltas, o computador converteu-se no meu único confidente, para o qual não guardo segredos.

Nesta intimidade, tenho apenas atravessado o desconforto de saber que o meu computador não me confia os seus segredos de modo idêntico ao que eu faço com ele. Isso tem já sido motivo de desencontro entre nós mas, em razão do meu nível de carência e/ou, talvez, em expressão da benevolência que me é própria, sempre temos sido capazes de superar os desentendimentos de ocasião; diria mesmo, Helena querida, que com maior facilidade com que, algumas vezes, temos superado os nossos.

Braga, 14 de Novembro de 2004


José Cadima

terça-feira, janeiro 15, 2008

Quando vejo a chuva cair

Vejo a chuva cair
e interrogo-me se, com ela,
não vão as minhas próprias lágrimas,
lágrimas de desconsolo e de desencanto.
Olho a chuva, lá fora,
e vejo as minhas próprias lágrimas,
que já foram de amor e, agora, são só de dor.
Olho a chuva lá fora, que cai grossa,
e vejo o meu mundo desfazer-se,
agora que sinto que o amor não alcanço.

José Pedro Cadima

domingo, janeiro 13, 2008

Minha Querida Helena

É irónico, não é, como um amor tão intenso e tão sofrido desagua assim, de repente, num vazio absoluto? Nem uma palavra, nem uma letra, nem um aceno. Confrontado com tamanho vazio, questiono-me: mas esse amor existiu? O objecto desse amor foi um ser de carne e osso, com sentimentos? Ou tudo não passou de um sonho? Ou, se não um sonho (para ficar a par da pós-modernidade), uma elaboração mental de um espírito já incapaz de diferenciar o real do virtual.
Não queres tu, num gesto piedoso (se disso és capaz), trazer-me a luz em relação a esta dúvida que ameaça instalar-se definitivamente na minha mente?
Repara: lendo Camões ou Bocage (naquilo que deles me recordo) retirava-se a ilação que na génese de cada verso estavam grandes paixões, fossem elas a pátria ou sereias encantadas, também chamadas musas. Mas eu, na minha ingenuidade de então, atrevia-me a pôr sempre uma Helena de carne e osso, a transpirar sensualidade, no corpo de cada uma dessas musas. Vejo agora quão ingénuo era: eram mesmo sereias encantadas que, transportadas para os dias de hoje, não passariam de seres virtuais; perfeitas, sim, mas desprovidas de sentidos e, logo, de sentimentos e de qualquer arremedo de sensualidade.
Pobres deles. Pobres de tantos depois deles que julgaram descobrir sereias encantadas em “simples” criações digitais. Pobre de mim que, seguindo-lhes os passos -, a distancia considerável - sorvendo-lhes os versos, me deixei ludibriar pelas lucubrações de uma mente carente de afecto, desgastada pela luta da sobrevivência quotidiana, tal qual a deles, porventura.
Daqui, podes tu, criatura real ou virtual, inferir sobre o nível de debilidade em que estou. Se real, um aceno teu, uma letra, uma palavra poderá ainda ajudar a devolver-me ao mundo dos que são capazes de destrinçar o que é verdadeiro do que não passa de imaginário. Se não o és, não me assiste qualquer esperança: parecendo-o embora, já não sou deste mundo; não tendo talvez alcançado ainda o outro. Estarei no caminho.
Ao que chegámos, minha deusa!

Braga, 20 de Agosto de 2004


José Cadima

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Dor de amor

Alguém escreveu que “é preciso ter calma”
para que não se perca corpo e alma.
Eu digo, também, que tem que se ir com calma,
pois apenas para o nada
eu me sinto ajustado.
Para tudo o mais sinto-me um menino de colo
que ensaia os primeiros passos.

Amor. Raiva. Frustração.
São tudo sentimentos tremendos,
para os quais me sinto impreparado.
E não há como fugir-lhes
pois até o amor
não parece existir sem dor.

José Pedro Cadima

terça-feira, janeiro 08, 2008

O parque

Lembraste do parque?
Aquele com vista para o Tejo?
Nós os dois, sentados num banco,
trocando olhares e tímidos beijos de amor.
Em momentos como esse,
tudo parece estar ao nosso alcance.
E porque não, dados os nossos verdes anos?
Só quero reviver esse doce instante!

José Pedro Cadima

domingo, janeiro 06, 2008

Parabéns!

Parabéns,
nesta data deprimida,
nesta hora esquecida,
neste dia desgraçado.
Parabéns para ti,
tão presente na minha memória,
tão ausente do meu convívio.
Parabéns pela capacidade que mostras
de fazer com que me afogue em lágrimas,
que só não são cristalinas
porque a choro repetido até a fonte secou.
Parabéns!

José Pedro Cadima

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Dizer-te tudo o que sinto...

Aproveito esta caneta,
este computador, digo,
para te transmitir
tudo o que sinto.

Amo-te!
Isto dizendo, fica tudo dito,
porque o amor é, ao mesmo tempo,
um complexo de emoções
e o supremo dos sentimentos.

José Pedro Cadima

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Minha Querida Helena

É 1 de Janeiro de 2008. Sentado em frente ao computador, de pernas embrulhadas num pequeno cobertor, tento não enregelar de corpo e alma. Penso em ti. Penso em ti e na falta que me fizeste na noite passada e, antes dela, em todas as noites em que me faltaste. Se não sou capaz de viver contigo, mais penoso me é viver sem ti.
Não fazendo sentido alimentar esperança distinta da que me trouxe até aqui, por força do simbolismo gerado em torno da data, interrogo-me sobre a possibilidade deste ano novo nos trazer a diferença, isto é, me devolver a esperança. Interrogação tão insensata quanto insensata é a ideia de que é o curso das estações que nos renova ou empalidece a vida e não o ânimo que pomos nos nossos gestos e quereres, num trilho que todos os dias nos aproxima da morte. Interrogação tão insensata quanto insensata é a nossa busca de reencontro. Como se fosse possível que o nosso destino nos traga algo diferente da realidade desta inviabilidade paradoxal de não poder viver contigo e não ser capaz de viver sem ti.
É 1 de Janeiro de 2008 e a tua imagem não me abandona a mente. Talvez seja por o cobertor que me embrulha as pernas ter sido oferta tua, em data que creio já longínqua. Talvez seja por força do simbolismo da data, que se usa dizer ser de renovação de esperança, ou porque a tua lembrança me aquece a alma, trazendo-me à memória o conforto que me dá apertar-te nos meus braços em dias gélidos como o de hoje, e nos outros todos. Porque me falta hoje o teu calor? Porque foste para tão longe que os meus braços não te alcançam mais, agora que só o calor da tua presença poderia sossegar-me o pensamento e dar alento à ficção deste ser um ano novo.
Minha querida Helena, Helena do meu sonho: diz-me que este é um ano novo; promete-me que o frio que me tolhe será passageiro porque passageira é a tua ausência e tu logo virás enlear o teu corpo no meu; diz-me que o meu sono sobressaltado da última noite não tornará porque a segurança da tua presença afastará os fantasmas que me assaltam a mente à noite; diz-me que posso sonhar. Mente-me, minha querida!

Braga, 1 de Janeiro de 2008

José Cadima