segunda-feira, dezembro 31, 2007

“Adeus tristeza. Viva 1997!”

“É habitual nesta ocasião proceder-se ao balanço do ano findo. Não querendo ir contra a tradição, também eu me proponho, nesta edição, proceder à eleição dos mais e dos menos de 1996, quer dizer, dos acontecimentos e dos personagens que mais cativaram a minha atenção, se bem que nem sempre pelas melhores razões.
A listagem é comprida, pelo que a economia de esforço e a gestão criteriosa de espaço no jornal obrigam-me a ser parco na justificação dos destaques.
Seguindo o velho princípio, cultivado no cinema e nas telenovelas, de reservar para o último episódio as boas novas, isto é, o casamento do herói com a princesa e a reconciliação das famílias desavindas, começarei pela nomeação dos destaques de sinal menos. A esse título retenho:
i) a prestação medíocre do Partido Socialista e do Eng.º Guterres no seu primeiro ano de governo; em razão disso, temo o pior pelo que se reporta ao segundo;
ii) a postura do eleitorado que votou Guterres que, colocado perante a evidência de um governo sem arte nem saber, se recusa a admitir que só as moscas mudaram (pelo menos, a atentar nas sondagens eleitorais);
iii) o comportamento desbocado e deslocado do Dr. Mário Soares, permanentemente disponível para falar do que não sabe e fazer corpo com amigos da onça, chame-se ela como se chamar;
iv) o despudor do Prof. Cavaco Silva que, de cima do seu altar de pretensão, descorre sobre a regionalização e sobre o mundo com o mesmo à-vontade com que no passado afirmou que nunca se enganava. Assemelha-se nisso muito ao seu conviva dos velhos tempos de governo, o Dr. Mário Soares;
v) a desventura de Diana de Inglaterra, que não vai descalça mas nem por isso vai mais segura (pelo que se afigura, o tempo não vai de feição para príncipes e princesas, daí talvez a afirmação de que a tradição já não é o que era);
vi) a prestação miserável do PSD de Braga, ao falhar mais uma vez a oportunidade de concorrer à Câmara Municipal de Braga; depois vão admirar-se que alguém diga que mantêm um pacto secreto com o Engº Mesquita Machado para a perpetuação deste no poder;
vii) a desvergonha de um PIDDAC para 1997 que esconde o eleitoralismo rasteiro sob o manto diáfano da ausência de estratégia para o país (contra a força da ideia de que «mama quem berra», que vi proposta num jornal de Leiria, o que marca presença mesmo é a bajulação miudinha dos votos dos eleitores de Lisboa e Porto);
viii) a navegação à vista do Presidente da Câmara Municipal de Braga, bem evidenciada no caos em que se transformou o trânsito citadino e na procura de resolução sobre pressão dos acontecimentos e da peleja que se aproxima; obviamente que o Eng.º Mesquita Machado sempre poderá queixar-se da falta de civismo dos habitantes da urbe, mas estou em crer que os demais portugueses não serão menos bárbaros que os bracarenses;
ix) a infelicidade da Rute, que se deixou levar pela cantiga do bandido e se vê agora obrigada a vender por boa a paixão de António Guterres pela educação.
Os destaques mais, como seria de prever, são bem menos. Não fora assim e as novas seitas e religiões teriam muito menos cultores; presumo que o mesmo sucederia com as mais antigas. Seja como for, assinale-se a esse título:
i) o razoável comportamento do ano económico, pese embora o governo socialista tudo tenha feito para que a dinâmica económica não fosse além da prestação do próprio governo; fica-se na dúvida, nas presentes circunstâncias, se não seria mais benéfico para a evolução do PIB a ausência de gestão administrativa pública;
ii) o descrédito em que caíram alguns dos «senhores do Norte»: Fernando Gomes, Narciso Miranda, Ludgero Marques; tal qual como acontece com as senhoras quando se baixam, também neste caso tudo ficou mais à vista quando, para se fazerem ouvir, tiveram que passar a usar os bicos dos pés;
iii) o alvorecer de um novo ano, que sempre permite recriar a ideia, ingénua, que neste ano tudo vai ser diferente; quer dizer, desta vez é que é para valer: adeus tristeza!”

J. C.

(reprodução integral de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 97/01/10, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, dezembro 30, 2007

Mortos …

“Eu morro;
tu morres;
ele morre.”
Assim se esgota a vida
e, mesmo vivos,
de certa forma não estamos senão mortos:
amiúde, mortos de raiva;
algumas vezes, mortos de vontade;
aqui e ali, mortos de tédio;
muitas vezes, mortos de desejo
ou, desesperadamente, carentes de afecto;
ocasionalmente, mortos de paixão.
Assim se vive a vida!

José Pedro Cadima

quinta-feira, dezembro 27, 2007

No fundo

É usual dizer-se que, no fundo,
esta ou aquela pessoa ainda gosta de nós.
Mas, no fundo,
no caso do poço, está a água
e, no vulcão, está a lava.
Para mim, tanto faz morrer afogado
ou por lava queimado.

José Pedro Cadima

terça-feira, dezembro 25, 2007

“Este Minho é uma festa”

1. Só quem alguma vez viveu no Minho pode entender quanto a gente se diverte: são as festas; são as romarias; são as excursões ao S. Bentinho e ao Corte Inglês, em Vigo; são, enfim, as declarações dos nossos políticos a respeito da construção da ponte do Prado, anunciada para ocorrer a curto-prazo. É o sentido da festa, da romaria que aí pulula e que encontra maneira de se exprimir em gestos tão simples como a promessa de disponibilização de 100.000 contos do PIDDAC do próximo ano para a construção da dita ponte, solenemente veiculada pelo Dr. Martinho Gonçalves.
2. Este espírito que refiro é tão intrínseco é tão contagioso que atinge mesmo os estudantes de passagem pela Universidade do Minho, oriundos das mais distintas parcelas do território nacional. É vê-los, daí, na semana de recepção ao caloiro ou por ocasião do enterro da gata – e, tirando estas datas, todo o restante ano – a trautear os últimos êxitos do Quim Barreiros ou a canção do bandido, em versão livre.
Deste estilo musical, retenho como expressão suprema uma canção que usa no refrão uma frase que reclama a melhoria da qualidade do ensino ministrado, e uma outra, entoada ao jeito de palavra de ordem, que exige o alargamento da época de exames a um total de três meses.
Desta forma, deduz-se, do semestre lectivo ficaria ainda uma semana, período mais que suficiente para a apresentação das matérias que é importante que os estudantes aprendam.
3. Como nota dissonante deste culto oferece-se o esfriamento que atravessa a «noite bracarense» que, como é bem conhecido, chegou a ser a mais badalada do país. Ficaram, deste modo, os estudantes com um problema mais a tolher-lhes as vidas (o preenchimento das noites), já que, por obstinação do reitor da U.M., não são viabilizadas actividades nocturnas nos complexos pedagógicos existentes. Reduz-se assim, consideravelmente, a possibilidade de multiplicar as chamadas dos exames de fim de época e, portanto, o sucesso escolar.
4. Posto que, mesmo sem querer, acabei por desembocar na questão da política educativa, deixem que exprima o meu apreço pelo Secretário de Estado do Ensino Superior, visto que será o único ser na terra capaz de viver uma paixão a frio, conforme exprimiu recentemente a propósito da sua (e do governo, no seu conjunto) paixão pela educação. Num tempo em que a inovação tem importância tão estratégica, nunca é demais sublinhar esta singularidade. Será caso para dizer, doravante, que as grandes paixões servem-se frias.”

J. C.

(reprodução integral de crónica do autor identificado, publicada no jornal Notícias do Minho, em 96/12/20, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)

domingo, dezembro 23, 2007

Sou aquilo que sou

“Não sou um anjo,
nem sou um querido”,
descontadas as vezes em que, de mão dada,
vagueamos, sem tempo contado,
entre nuvens de algodão.
Sou apenas aquilo que sou.
Sou a verdade,
a tristeza, a dor que sinto.
Sou a esperança que teima
em não desistir,
morrendo de saudade do tempo
em que o sonho ainda era possível.
Sou aquilo que sou.

José Cadima

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Mais um grito

É noite e está frio.
Sinto mais um arrepio.
Faltam-me palavras para expressar
sentimentos que alguém ousou roubar.

De olhos quase vidrados,
através da janela aberta, olho para fora,
prescrutando no horizonte algum sinal ou estrela
que me indique não ser vão o esforço que faço
para preservar a minha alma,
que ameaça ir-se embora.

Sinto medo.
Não encontro mais consistência nas palavras.
Seguro, seguro
é que perco proximidade a um qualquer conto de fadas.
A certo passo, solto um grito,
tentando fazer sair tudo de mim:
o frio, o medo e, até, pozinhos de perlim-pim-pim.

José Pedro Cadima

terça-feira, dezembro 18, 2007

Poemas

Queria escrever algo
de corpo e alma,
que ganhasse asas,
que pudesse voar.
Queria escrever algo
que me transportasse para lá do efémero,
mas fui apenas capaz de alimentar pensamentos
que me lembram abandono
e trazem tormento.

José Pedro Cadima

domingo, dezembro 16, 2007

Respirar a teu lado

Desde que te conheço,
tenho outro sorriso,
outro sofrimento,
outra tristeza,
outra dor.
O desespero é maior,
mas também o é a esperança
e a luz que ilumina os meus passos.
Até a minha forma de respirar é diferente.

José Pedro Cadima

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Destróis tudo

Destróis tudo, até mesmo aqueles laços
que, tecidos numa ternura imensa,
pareciam estar a salvo de todas as tempestades.
Embora, dizendo que não me queres atormentar,
na afirmação que prossegues da tua autonomia
vais cavando entre nós um fosso
que a cada momento se me sugere mais largo,
mais dificil de transpor.
Afirmo-to, abertamente:
a tua obstinação ameaça destruir tudo!
Pareces não perceber o que sinto,
a não ser nos momentos em que fica mais cruelmente exposto
o meu enorme sofrimento.
Esses são, entretanto, os instantes
em que o reencontro fica mais distante.

José Pedro Cadima

terça-feira, dezembro 11, 2007

O meu amor por ti

Se o meu amor por ti
fosse o responsável pelo girar dos planetas,
um ano duraria menos que um segundo.

Se o meu amor por ti
fosse a energia que alimenta as estrelas,
seria sempre dia.

Se o meu amor por ti
fossem apenas palavras,
este poema não teria fim.

José Pedro Cadima

sábado, dezembro 08, 2007

Sonhos

"Ainda me lembro dos tempos
em que tudo isto não passava de sonhos...".
Ainda me lembro...
Ainda me lembro dos tempos
em que era capaz de sonhar.

José Cadima

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Silêncio

O silêncio que se faz em meu redor
contrasta com a agitação que me vai na cabeça.
É sempre assim quando algo me inquieta,
sendo bem certo que não tenho já memória
de quando o sossego, por inteiro, me assistiu pela última vez.
Que foi há muito tempo, isso dou-o por certo.
Na minha inquietude, umas vezes desabafo no papel,
outras permaneço quieto até ao limite da imobilidade possível.
Só os pensamentos em turbilhão me não deixam quietar
e, quando a resistência cede,
resta-me explodir em palavras
ou fluir pela rua, tentando correr mais que os meus pensamentos.
Quem me dera o silêncio autêntico!
Quem me dera não ter que fugir
dos pensamentos que me assaltam!

José Cadima

terça-feira, dezembro 04, 2007

As minhas luvas pretas

Uso luvas para não sentir,
para não te sentir:
à tua pele,
ao teu cabelo,
ao teu amor fugidio.
Essas luvas são pretas
para te mostrar que estou de luto,
que o meu coração está de luto.

José Pedro Cadima

sábado, dezembro 01, 2007

“O calor humano: estudo de caso”

“Não restam dúvidas que o frio transforma os seres humanos; transforma-os, transtorna-os tanto que não há coisa que mais anseiem que o calor: o calor humano, está bom de ver.
Radica a ideia que aqui avanço na observação sistemática que venho prosseguindo do comportamento do cidadão europeu mais a norte, isto é, de latitudes onde o sol é mais avaro. E, se bem que este não seja campo de investigação para que me reconheça particularmente preparado, procuro compensar a falta de domínio dos instrumentos de pesquisa com empenhamento redobrado na contemplação do objecto.
O despontar do meu interesse por este prometedor campo de trabalho remonta a data já algo remota, quando as parabólicas instaladas no Picoto permitiam ao comum habitante desta augusta cidade aceder às imagens da RTL. Chamou-me na ocasião a atenção, particularmente, um programa designado, sem grande fundamento, «a fruta toda» (em tradução livre para português). Impropriamente, digo, porque embora trouxesse para a luz das câmaras muita fruta, não mostrava a fruta toda, como a designação sugeria.
A fruta toda, propriamente dita, estava à vista em filme que vi bastante mais tarde no «Canal +», por ocasião de uma digressão por terras francesas. Os mesmos valores, as mesmas referências voltei a ver há dias, quando o acaso me fez pernoitar na cidade alemã de Frankfurt. Na circunstância, não era qualquer canal de difusão pública de TV por cabo que procedia à distribuição das imagens mas o circuito vídeo do hotel (de luxo, por sinal); aliás, oferecendo séries alternativas.
Posta a formação conservadora que me foi veiculada, admito ter sentido algum embaraço face às expressões de calor que transpiravam das imagens a que me reporto. Não fora o interesse científico da observação, por certo teria desligado o aparelho. Prevaleceu, entretanto, a motivação científica, e é em razão disso que vos posso chegar agora algumas conclusões preliminares deste estudo de caso.
A primeira dessas conclusões, e porventura a mais portadora, é exactamente aquela que anotei na introdução deste «paper». Outras há, no entanto, de que vale a pena dar conta, concretamente: i) a curiosa circunstância de estas efervescências tenderem a manifestar-se no términos da semana; ii) o carácter democrático, participativo destas trocas de calor; e, finalmente, iii) a aparente ausência de barreiras étnicas, que cumpre saudar, especialmente sabidos os tempos de intolerância que correm.
Embora devendo ser tidas a título preliminar, estas conclusões parecem-me ser portadoras para justificar que me possa considerar plenamente compensado pelo esforço dispendido na investigação e daí, que não tenha dúvidas em assumir, desde já, o compromisso de dar continuidade à pesquisa. Sendo, no entanto, vasto o objecto de análise, bom seria que outras vontades se mobilizassem por forma a este estimulante campo de investigação vir a recolher a atenção que merece.

J. C.

(reprodução integral de texto do autor identificado, publicado no jornal Notícias do Minho, em 95/07/29, em coluna regular intitulada “Crónicas de Maldizer”)