terça-feira, outubro 31, 2006

Bocados de coração

Existe em cada um de nós
uma semente, que abre, fecha, parte-se…
Chamamos-lhe, coração.

Interessa-nos esse algo
que se há-de partir, em vão?
Pois sim! Pois não!

Quando se partiu,
seus bocados não foram!
Preferiram assim ficar.

Restaurar-se….
Ser arranjados, um a um, para quê?
Todos outra vez se partirão!

J0sé Pedro Cadima (2004)

segunda-feira, outubro 30, 2006

Na cela

Ela era tão saborosa, tão doce, tão difícil de rejeitar. O seu corpo pedia-me que a quisesse. Não sei… Eu acariciava-a. Sentia-a!
Um toque na sua pele deixava-me arrepiado, deixava-me até excitado. A adrenalina corria nas minhas veias, apetecia-me agir.
Quando nos apetece agir, tudo fica diferente; até o mais trabalhador nos parece um preguiçoso. Viste? Viste? Viste? Não viste… Estavas desatento. Tanta coisa que eu vi passar, porque eu quero agir, eu quero interferir! Ela olha-me a pedir que eu aja, que lhe faça alguma coisa… Queres, não queres? Também quero.
Os constantes abraços e aproximações de sua pele deixam-me louco, louco como um louco, capaz de fazer loucuras. Sabem o que são loucuras? Eu não sabia. Beijo sua pele, parece-me algo divinal, algo que desejo tanto. Desejo tanto esta sua camada, como será ela sem ela? Como serei eu com sua pele? Como será tudo isto?
Vejo-a todos os dias, todos os dias beijo sua cara. Toco sua pele, seu pescoço e, quando a toco, fico simplesmente louco, louco como um louco. Apetece-me arrancar algo, apetece-me tocar mais, por dentro e por fora. Apetece-me.
Noutro dia, vi teu corpo a olhar para mim; tua pele suave dizer-me baixinho, para que tu não ouvisses: “leva-me contigo”.
Então, um dia, quando estava contigo, num momento mais calmo, num lugar mais escuro, mais escondido, onde ninguém nos podia ver, eu levei-a comigo. Levei-a para longe de ti.
Desculpa o que te fiz. Alguém tinha que o fazer. Se ao menos a tua pele não tivesse pedido. Se não tivesse pedido, estarias agora aqui comigo; mas pediu-me e, se não fosse a mim, seria a outro qualquer. E como eu tinha o desejo de agir... Quando queremos agir, não somos capazes de estar parados. Lembraste quando te disse que até o mais trabalhador quando quer agir é um preguiçoso? Provei-to não foi?
A pedido da tua pele, a pedido do meu desejo, e porque ninguém mais parecia estar disponível para to fazer, eu tirei-te a pele, e deixei-te a carne viva, ali a morrer.
Agora estou na parede da cela a escrever isto, porque eu sou um assassino.

José Pedro Cadima (2006)

O amor sou eu

O que é o amor?
O amor sou eu,
uma maré de sentimentos,
um monte de violentos impulsos,
que é o amor.

O que é o amor?
O amor sou eu,
num violento impulso
e num enorme sofrimento,
que é amor.

O que é o amor?
O amor sou eu,
em sofrimento.

Sentir…amar… para quê?
Poucos são aqueles que não o fazem,
e quem não o faz
sobe mais alto,
vai mais longe.
Enfim, é mais feliz que o amor.

J0sé Pedro Cadima (2004)

domingo, outubro 29, 2006

Minha Querida Helena

Olá! Espero que estejas bem. Espero, inclusive, que tenhas tido ocasião para ires ao cabeleireiro e te cuidares, de um modo geral, agora que não me tens a tomar o teu tempo. Nota que, se comigo não precisavas ter essas atenções, doravante é diferente.
Escolhi esta manhã de Domingo para este instante de intimidade contigo. Imagino-te em casa, atarefada nas tuas arrumações e desarrumações mas, porventura, estarei bem errado. Talvez seja esta chuva que se faz sentir em Braga que me traz a melancolia que pressentirás nas minhas palavras escritas. Daí, talvez, digo, a fuga para a intimidade a que aludo antes. Como seria se estivesse calor, não te sei dizer.
Sabes: tenho usado parte do meu tempo para dar substância ao projecto de produção do livro do meu filho mais velho, de que te falei. Definitivamente, resolvi assumir o trabalho de editor dos seus textos. Aguardava que me pudesses ajudar mas, circunstâncias que tu bem conheces, inviabilizaram contribuição que eu tinha por preciosa. Assim são as coisas, e momentos há em que não nos resta senão admitir a nossa impotência.
É um trabalho que ora se me sugere gratificante ora me é penoso. A penosidade não releva do esforço, em si, mas dos conteúdos com que vou deparando, demasiado sofridos, denunciando uma violência de sentimentos que me surpreende. Sobretudo, na dimensão desesperança da mensagem. Repara: são só catorze anos; catorze anos de uma vida a que eu fui sempre dando o amparo que fui capaz. Podia ter sido mais, consinto, mas eu, que o não tive maior, não me recordo de ter escrito mensagens de tamanha mágoa e desapontamento, nessa idade. Os tempos são outros, sem dúvida, e talvez daí venha a diferença entre duas personalidades íntimas que eu pressinto tão próximas. É bem certo que, nessa idade, eu não tinha ainda uma namorada, no sentido comum do termo, pese embora as Helenas que se foram cruzando na minha vida. Teria sido mais feliz se a tivesse, especulo eu, agora. Mas as Helenas, tu bem o sabes, sempre me foram esquivas. E quanto eu as amei! Nem tu nem ninguém são capazes de avaliar.
As Helenas, meu amor não retribuído, têm sido a minha razão de vida e a fonte dos meus maiores desencantos. É o meu fado!

Braga, 8 de Agosto de 2004


José Cadima

sábado, outubro 28, 2006

Procura de um esconderijo

Eu esmago quando beijo;
eu enforco quando abraço;
procuro meu esconderijo,
onde me desfaço.

E à procura dele já fui longe,
para um sítio distante;
atrás dele fui longe,
não olhei para trás nem um instante.

José Pedro Cadima (2005)

sexta-feira, outubro 27, 2006

Arquivos do passado

Vasculhando em arquivos,
encontrei algo de muito precioso,
que me fez sentir saudades não de ti
mas do que tu eras.

José Pedro Cadima (2005)

quinta-feira, outubro 26, 2006

Escritor

O escritor é, de todos, o maior drogado. Ele não inala, não ingere, não bebe, não fuma, não se injecta. Ele pensa e escreve.
Uns falam de alucinações, outros de cheiros, imagens, dores e, até, do nada. A adrenalina é imensa. Qualquer papel, máquina de escrever ou até computador é usado. Não interessa que seja apenas um guardanapo. O cérebro é de imediato consumido. Não há hipótese.
É pensador, mas não filosofo; se o fosse, era um filósofo drogado. São definitivamente os que mais consomem, uma, duas, três páginas, na maioria. Outros conseguem chegar até às catorze ou mais! Esses, é a toda a hora! Podem estar a dormir, quando a ideia chega acordam só para a apontar. Os viciados fazem dela uma história na noite em questão.
Quando a ideia é demasiado grande para ser toda escrita num só dia, fazem uma directa. Se for demasiado grande e ocupar uma semana, então, a cada noite, vão para a cama com a ideia atravessada, na expectativa da retocar e melhorar.
Se uns perdem dez minutos do seu dia nas drogas, o escritor é capaz de perder toda a sua vida. Parece recusar-se a viver depois de se dedicar a essa causa. Enquanto para os outros consumidores o aceitar que se está mal é o início, para um escritor é pior: isso apenas quererá dizer mais noites em claro, mais distância dos amigos, mais prazer em escrever, mais facilidade das ideias que brotam.
Quando se aprende algo, uma nova maneira de consumir as ideias, o vício torna-se insuportável para os outros. O escritor, por sua vez, quer mostrar que sabe, quer mostrar que escreve e parece afundar-se no vício cada vez mais.
Há horas que já devia estar a dormir. De facto, já estou até na cama, mas o vício foi mais forte.

José Pedro Cadima (2006)

Em teus olhos eu mergulho

Deixei-me apaixonar por ela,
buscando um amor verdadeiro.
Olha só como é bela;
impossível seria preservar meu coração inteiro.

Em teus olhos eu mergulho
para achar a razão
de meu coração se sentir entulho
se de ti ouvir um não.

Em teus lábios os meus querem mergulhar,
tão belo e doce é seu contorno.
Mais doce deve ser seu paladar.
Em teus olhos eu mergulho…

José Pedro Cadima (2005)

terça-feira, outubro 24, 2006

Dizer tudo o que sinto

Aproveito esta caneta
para escrever
tudo o que sinto.

Amo-te!
Isto dizendo, fica tudo dito,
porque o amor
é o conjunto de todos os sentimentos.

José Pedro Cadima (2005)

Guerra de culturas

O Forte estava cercado. Estavam em minoria de cinco para um. Os bárbaros avançavam e na torre de comando o comandante olhava tudo em redor, os acampamentos bárbaros, as suas maneiras, os seus costumes e, para com o seu conselheiro, comentou:
- Já reparaste como aqueles bárbaros agem? Podíamos ter-lhes ensinado tanta coisa.
- Nunca quereriam saber – respondeu o conselheiro.
- Disparate… Um dia, podiam ser gente como nós...
- Eles não quereriam ser gente.
- Disparate. Só dizes disparates. Foste para aqui mandado para dizer isso? Para dizer disparates?
- Apenas tenho a minha opinião. Desculpai-me, mas eu penso saber do que falo.
- Não achas que estes homens podiam ter sido ensinados a ser mais como nós? Ter o nosso nível, quem sabe… Viver num mundo mais sábio.
- Eles sentem-se contentes com a maneira como vivem. Não os podemos forçar.
- Mas já forçámos tantos.
- Eram fracos.
- Ficaram fortes.
- E agora cedem perante a força dos bárbaros?
- Podemos ser menos, mas cada homem nosso vale mais que mil bárbaros! Seremos sempre mais!
- Disparate!
- Não és, definitivamente, bom conselheiro. Nunca chegarás a nenhum lado. Pensas que é de homens como tu que o nosso povo precisa? Não consideras a superioridade da civilização sobre a barbárie?
- Chama a isto ser civilizado?
- Chamo. Porque não haveria de chamar?
- As próprias terras não eram nossas. Eram do povo bárbaro. Nós não lhas comprámos. Nós roubámo-las…
- Nós trouxemos-lhe a civilização!
- Acha?

Os bárbaros desencadeam o combate. As muralhas são atacadas. Voam flechas em todas as direcções. São milhares no ar, mas não é isso que espanta. O que espanta é como não chocam umas com as outras, em vez de chegar a um corpo em terra, perfurá-lo e deitar por terra um soldado, um guerreiro, um amigo, um lutador, um pai, um irmão, um filho.
- Avancem para a muralha oeste e desfaçam os batedores que se aproximam! – grita o comandante para os seus soldados.

Os bárbaros pegam fogo às estruturas. Por mais que os soldados matem, mais parecem aparecer. É como um humano coberto de milhões de formigas com fome, que se alimentam dele.

- Façam subir os arqueiros para a torre noroeste! Eles precisam de um sitio mais alto! Depressa! – grita o comandante a um dos seus de menor hierarquia.
- Ainda acha que vamos ganhar esta guerra? – pergunta o conselheiro.
- A civilização vencerá sobre a barbárie!
- Chama a isto civilização? Um povo que nunca está em paz? Que faz guerra para que um qualquer ganancioso chegue ao poder?
- Preferias lutar pela tua comida? Lutar por diversão?
- Cada um vê as coisas como quer.
- Vês de uma forma estranha.
- Apenas vejo o que é obvio.
- Obvio é que a civilização é superior à barbárie!
- Apenas uma palavra dita por eles tem mais lá dentro que um discurso dito por qualquer general ou senhor poderoso que está hoje a governar o nosso povo.
- Talvez, já são tantos… Os melhores estão aqui em combate!
- Então também vês o que vejo?!
- Vejo que os fracos estão a tomar conta do que construímos. É preciso mentes fracas. Os bons, os realmente bons estão aqui a lutar contra os bárbaros, porque o acham certo! Porque é o que os realmente bons fazem.
- Mas morrem e ficam os fracos. É isto civilização?
- É, e sinto pena destes bárbaros.

- Comandante! Comandante! Eles mandaram abaixo as muralhas do lado Sul. – grita um soldado.

- Não sentiria pena deles agora. – diz o conselheiro.
- Sinto pena porque preferem viver num mundo bárbaro, sem civismo, porcos, nojentos, violentos, sem qualquer perspectiva, nem mesmo a de ver que era melhor viverem numa sociedade como a nossa.

O conselheiro tirou um punhal das suas vestes e aproximou-se do comandante, passo a passo, enquanto o comandante gritava para os seus soldados:
– Para a frente com os batalhões! – clamava.
Chegando atrás dele, não pareceu intimidar-se, e quando o comandante se virou para o conselheiro ele enfiou-lhe o seu punhal pelo ventre a dentro.
- Sinto eu pena de vocês que perderam esta guerra apenas por não terem sido capazes de nos compreender.
/...
José Pedro Cadima (2006)

segunda-feira, outubro 23, 2006

Pedra para diamante

Está um sol tão brilhante
que seria capaz de converter pedra
em diamante.

Mas, para mim,
apenas anoitece
enquanto choro
e perscruto o que acontece…

Bate dentro de mim,
com muita força,
meu coração,
à espera que o ouça.

Grita por ti,
como pela vida…
Grita por ti,
”minha querida”.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, outubro 22, 2006

Voltar ao amor

A necessidade de escrever
apodera-se de mim
como as chamas
se apoderam de palha seca.

Sem apelo,
sem dó nem piedade,
volto à escrita, como volto ao amor,
mesmo que isso possa parecer coisa de fracos,
coisa dos que amam uma, para sempre.

Apodera-se de mim uma força
que me prende a ti;
anseio tanto o teu amor
que, à força de desejá-lo,
creio que está aí a própria razão de mo recusares.
Resta-me, então, esta escrita desesperada.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, outubro 21, 2006

Minha Querida Helena

Ter-te-ás dado conta que as duas mais recentes cartas que te dirigi iam com as datas gralhadas: em vez do que aparece, deveria estar 17 e 18 de Agosto, respectivamente. Vais ter que me perdoar isso, que outra coisa não é que expressão de uma mente cansada e baralhada. A gravidade da falta deverá ser compatível com o nível de tolerância que tu manténs em relação aos meus erros – assim o creio.
Na verdade, escrevi-te quase só para te transmitir isso e deixar este apelo. Não fora este pretexto, não querendo, por outro lado, repetir-me nos meus lamentos, não teria assunto para esta mensagem. Como bem sabes, não é assunto com que se mace quem quer que seja, muito menos alguém de quem muito se gosta, especialmente depois de um dia de trabalho cinzento, após outro de idêntico tom, num arrastar de pés, sem alegria nem esperança.
Assim sucedendo, dando corpo ao pensamento que me assiste, e também como forma de preencher esta página, ouso citar o meu filho num dos seus versos tão forte nos sentimentos que transmite quanto impressionante nos termos de que se socorre; a saber:

Demónio da minha paixão

Rio de sangue,
que transportas o meu demónio,
permite que eu aceda
ao favor de um beijo
que me faça sorrir.
Demónio de sangue,
demónio esbanjador,
faz-me um favor:
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio de escolta,
meu segurança
dos demónios à solta,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da sorte,
transportador da minha felicidade
ou morte,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio alimentador
da minha paixão grande e assombrosa,
espeta-me um beijo e sorri.

Demónio sugador
de toda a minha atenção;
demónio que me arrebata o coração;
espeta-me um beijo e sorri.
Demónio do amor,
rainha da beleza,
só tu fazes a minha dor.
Por assim ser, espeta-me um beijo e sorri.

Demónio da minha vida
e da minha glória,
nem tu sabes o quanto
te quero arrancar um sorriso;
pois, meu amor,
tu és o meu demónio
e eu não sei viver sem ti.
(Cadima, José Pedro; 2004)

Sem mais palavras, quase sem palavras, despeço-me de ti, “demónio da minha vida”.


Braga, 19 de Agosto de 2004


José Cadima

sexta-feira, outubro 20, 2006

Teus olhos

Em teus olhos me afundo.
Em meus me vejo afogar.
Lágrimas me escorrem;
nelas não sei nadar.

Meu salva-vidas és tu;
só te peço que me venhas salvar.
Predadora de meus olhos,
comigo vem acabar.

José Pedro Cadima (2005)

quinta-feira, outubro 19, 2006

Luz...

Luz da minha paixão,
desce do céu,
vem iluminar meu coração,
sufoca-me com beijos,
enche-me de desejos.

Ah luz, como és bela.
Quão reconfortante
é olhar para ti.

Apetece-me abraçar-te,
beijar-te,
deixar-te penetrar
no meu coração.
Não sei, no entanto, se não me cegarias
de ilusão.

José Pedro Cadima (2004)

quarta-feira, outubro 18, 2006

Fases da vida

Na vida há muitas fases;
tantas, que nem imaginamos
que irão acontecer.

Num dia pensamos
que a nossa felicidade
dura para sempre;
no outro pensamos
como nos afundámos
em tanta miséria.

Estamos condenados a sofrer
e a sorrir sem grandes razões.
Estamos condenados a viver
e a padecer
de muitas ilusões.

José Pedro Cadima (2004)

terça-feira, outubro 17, 2006

Vampiro

Há sempre algo mais na noite do que aquilo que pensamos existir... Há sempre… mais escuro… mas também há sempre mais luz e há, entre outros, eu…
Há quem diga que os vampiros amam, para sempre e sempre, a sua primeira vítima. Eu não sou excepção, posso jurar ainda hoje a amar, mesmo depois de passados estes trezentos longos anos… Agora? Agora é de noite e eu caço. Procuro o meu alimento - sangue, doce sangue - ou apenas o prazer? Sou um vampiro. Procuro ambos!
Ao longe, vejo a minha vítima: uma fêmea, alta, esguia, cabelos loiros, encaracolados. Aproximo-me com o meu mais forte sentimento de fome. Antes que ela faça algo já minhas mãos se encontram em sua anca e meu queixo por cima de seu ombro. Sou um vampiro. Vou dizer palavras tão doces ao seu ouvido que ela deixar-se-á inclinar para trás, sobre mim. Sou um vampiro. Tudo o que digo fá-la-á ceder...
A vítima, meu eterno amor, deixa-se cair sobre meus braços. Beijo seu pescoço. Posso sentir a pele da minha primeira vítima, mesmo não sendo ela. Posso amar suas ancas enquanto se deixam cair sobre meu domínio, mesmo não sendo elas mesmas amadas de verdade. Não resisto: saio de seu pescoço para os seus lábios, tão suaves, tão fofos, com tanto sangue… iguais aos dela, aos que amei. Posso jurar sentir sua pele, mas não é ela; posso jurar sentir seus lábios, mas não são os dela; posso jurar sentir seu corpo, mas não é o dela.
Viro a minha preciosidade de frente para mim e rasgo-lhe a roupa. Encosto meu frio e morto corpo ao quente e vivo dela. Sinto o sangue escorrer… dentro dela, quente, minha refeição…
Mordo-a! Como é bom ouvi-la gritar. É como o eco dos meus gritos de solidão por estar sem ela, meus grandes, dolorosos, e convictos gritos. Os dela são apenas ecos dos meus. Tenho de admitir excitar-me com eles; tenho de admitir amá-los…
O sangue sabe a ferrugem. Como é bom saboreá-lo, tão quente, tão vivo, para algo tão morto… Se os gritos me excitavam, o sangue é o clímax, é o chegar ao céu. Ai o sangue! Que prazer me dá!
Já vão trezentos anos! Há trezentos anos está ela morta mas, a cada vitima, saboreio o mesmo sangue, toco a mesma pele, beijo os mesmos lábios e amo… como que pela primeira vez….


José Pedro Cadima (2006)

segunda-feira, outubro 16, 2006

O teu objecto

O que procuras,
procura-o em mim.
O que queres,
pede-mo a mim.

Que amas?
Ama-me a mim.
Que beijas?
Beija-me a mim.

Se queres alguém,
tens-me a mim.
Se queres algo,
faz de mim o teu objecto.

José Pedro Cadima (2005)

domingo, outubro 15, 2006

Voltar a viver

Apetece-me saltar de tão alto
que voltar ao chão seja impossível.
Apetece-me correr tão rápido
que parar pareça um sonho.
Apetece-me entrar num sono tão profundo
que acordar seja voltar a viver.

José Pedro Cadima (2005)

sábado, outubro 14, 2006

Quero sonhar

Quero voltar a sonhar
e poder imaginar
que sou mais leve que o ar,
que sou maior que o mar,
que sou capaz de voar
ou o mundo inteiro saltar.
Quero ser capaz de sorrir
e libertar-me do sofrimento
que me atormenta a alma.


José Pedro Cadima (2004)